- 11 de março de 2020
- Postado por: Murilo Cesar Pavezi
- Categoria Noticias
O modo de disputa aberto e fechado do novo pregão eletrônico e a necessária adequação do Sistema de Compras do Governo Federal – Comprasnet
Publicado em 23 de setembro de 2019, o decreto nº 10.024 trouxe nova regulamentação à forma eletrônica do pregão, utilizado para a aquisição de bens e a contratação de serviços comuns pela administração pública federal.
Em boa hora, a norma incorporou entendimentos já presentes na jurisprudência do Tribunal de Contas da União e trouxe algumas novidades ao procedimento da modalidade licitatória mais utilizada em nosso país.
Dentre elas, a que causa maior impacto na forma de realizar os pregões eletrônicos e selecionar o fornecedor a ser contratado é, sem dúvida, a mudança na sistemática de envio de lances e a disponibilização de dois modos de disputa distintos (aberto e; aberto e fechado), cuja opção escolhida pela Administração deve ser inserida no instrumento convocatório.
A novidade veio a substituir o bastante criticado tempo randômico, previsto no decreto nº 5.450/2005, que envolvia o fator sorte na indicação do licitante vitorioso, tendo em vista que a etapa de lances era vencida por aquele que tivesse ofertado o menor preço no momento aleatoriamente determinado pelo sistema.
Ao longo dos últimos quinze anos, não eram necessários grandes esforços para perceber que a prática falhava na busca da proposta mais vantajosa e ia contra o princípio da economicidade e da igualdade, uma vez que o pregão eletrônico se encerrava de maneira aleatória, mesmo que houvesse outros licitantes dispostos a melhorar seus preços.
1) Modo de disputa aberto
Entre os dois modos de disputa, o “aberto” apresenta sistemática mais próxima à anteriormente prevista no decreto nº 5.450/2005. A alteração, especificamente, se dá quanto ao fechamento da etapa competitiva.
Assim, o antigo encerramento aleatório dá lugar à “prorrogação automática da etapa de lances”, que funciona da seguinte maneira: após a abertura do item colocado em disputa, a fase de lances terá duração de 10 (dez) minutos. Após esse período, o sistema encerrará a competição caso nenhum lance seja apresentado dentro de um intervalo de 2 (dois) minutos.
Fluxograma 1 – Modo aberto
Em outras palavras, a plataforma de operacionalização do certame deve garantir que a etapa de envio de lances dure, no mínimo, 10 (dez) minutos. Depois disso, não havendo qualquer nova oferta em um período de 2 (dois) minutos, o sistema encerrará automaticamente a disputa. Por outro lado, a cada lance ofertado, uma contagem regressiva de 2 (dois) minutos se reinicia.
À semelhança dos leilões, com o modo de disputa aberto, a sessão pública de lances somente se finda quando os valores se estabilizam; quando os licitantes chegam ao consenso sobre o menor preço, abstendo-se de dar lances ao longo de 2 (dois) minutos.
Caso a sessão seja encerrada sem prorrogação automática pelo sistema, o decreto prevê que o pregoeiro poderá, com auxílio da equipe de apoio, admitir o reinício da etapa de envio de lances, com o objetivo de alcançar o melhor preço.
2) Modo de disputa aberto e fechado
Inspirado no regramento do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, o modo de disputa aberto e fechado constitui importante novidade na sistemática dos pregões eletrônicos e requer atenção de todos que lidam com a atividade contratual da Administração.
Como a própria designação antecipa, o modo de disputa aberto e fechado compõe-se de dois estágios: a etapa aberta de envio de lances; e a etapa fechada para oferecimento de lances finais.
Quanto à etapa aberta, considerando sua semelhança com o regime do decreto nº 5.450/2005, não há grandes dificuldades na compreensão de seu procedimento, devendo-se atentar à mudança dos intervalos de tempo das microetapas.
Como será visto adiante, apesar da previsão de período com encerramento aleatório, o modo de disputa esquiva-se das críticas acima referenciadas, pois não estabelece a sorte – ou a escolha arbitrária do sistema – como elemento que dá cabo ao certame ou que define a ordem classificatória na licitação.
A disputa em um pregão eletrônico cujo instrumento convocatório prevê o modo aberto e fechado inaugura-se com a abertura do item e o início da etapa de envio de lances, que terá duração de 15 (quinze) minutos.
Concluído esse prazo, o sistema emitirá aviso de fechamento iminente e, a partir desse momento, a etapa aberta do certame poderá acabar em qualquer instante dentro dos 10 (dez) minutos previstos como duração máxima do período de encerramento aleatório.
Portanto, após o aviso de fechamento iminente, a plataforma em que se realiza o procedimento eletrônico determinará, de forma aleatória, nos dez minutos subsequentes, o encerramento da recepção de lances.
O quadro abaixo apresenta exemplo de etapa aberta em um pregão eletrônico com modo de disputa aberto e fechado.
Fluxograma 2 – Etapa aberta do modo de disputa aberto e fechado
Alcança-se a etapa fechada do procedimento. Aqui, sim, há motivos para se preocupar. É possível constatar algumas interpretações que não possuem suporte no decreto nº 10.024/2019 ou, até mesmo, violam princípios e a lei instituidora da modalidade (lei nº 10.520/2002).
Após o encerramento aleatório, o licitante que ofertou o melhor lance se junta a todos os participantes cujas ofertas foram, no máximo, até 10% (dez por cento) superiores, formando o grupo de licitantes que terá oportunidade de oferecer uma proposta final fechada dentro do prazo de 5 (cinco) minutos, que será sigilosa até o término desse período.
Com o objetivo de dificultar conluios e de garantir competitividade à etapa fechada, caso não existam, pelo menos, 3 (três) propostas na margem estabelecida de 10% (dez por cento), outros participantes serão convocados a fim de atingir o patamar mínimo de licitantes (3) para a disputa fechada.
Sendo assim, após a etapa aberta, há dois caminhos possíveis: i) na existência de 3 (três) ou mais licitantes que ofertaram valores não superiores a 10% acima do menor lance, hipótese em que todos terão a oportunidade de apresentarem lance final fechado; e ii) se não houver 3 (três) propostas dentro da faixa dos 10%, os participantes que ofertaram os 3 (três) melhores lances avançam na etapa fechada.
Em suma, há de ser aberta a oportunidade a todos que apresentaram lances até 10% superiores ao menor lance, respeitado o mínimo de três licitantes.
Fluxograma 3
Ultrapassados os 5 (cinco) minutos que os selecionados terão para dar um lance “às cegas” – sem conhecer os valores ofertados pelos demais –, as propostas serão ordenadas e divulgadas, permitindo a identificação da mais vantajosa à Administração.
Por fim, o decreto nº 10.024/2019 apresenta duas situações em que será admitido o reinício da fase fechada: a “etapa fechada deserta” e a “etapa fechada fracassada”.
Vislumbra-se “etapa fechada deserta” na hipótese do art. 33, §5º, que impõe o reinício da etapa fechada quando todos os licitantes convocados a dar um lance final fechado ignorarem o chamado. Nesse caso, será dada a oportunidade aos demais licitantes, até o máximo de três.
O §6º do art. 33, por sua vez, permite que o pregoeiro, auxiliado pela equipe de apoio, reinicie a etapa fechada quando não houver “licitante classificado na etapa de lance fechado que atenda às exigências para habilitação”.
Dessa maneira, os caminhos obrigatórios da etapa fechada do modo de disputa aberto e fechado, previsto no novo decreto regulamentador do pregão eletrônico, podem ser assim representados:
Fluxograma 4 – Etapa fechada do modo de disputa aberto e fechado
3) Modo de disputa aberto e fechado no Sistema de Compras do Governo federal – Comprasnet
É preciso advertir o leitor que, até a data de publicação deste artigo, a interpretação dos dispositivos do decreto nº 10.024/2019 imposta pelo Sistema de Compras do Governo federal – Comprasnet aos órgãos e entidades da Administração Federal direta, autárquica e fundacional (Sisg) – e àqueles que aderirem ao sistema – destoa, em diversos pontos, da análise acima empreendida.
Passa-se, assim, à apresentação da sistemática implementada no Comprasnet para a realização de pregões eletrônicos com modo de disputa aberto e fechado. Cumpre ressaltar que o resultado foi obtido a partir de simulações no ambiente de treinamento do sistema, bem como do exame de dezenas de atas de pregões eletrônicos efetivamente realizados na plataforma.
3.1) Da convocação adicional
Quanto à etapa aberta do modo de disputa aberto e fechado, não há diferenças entre o que foi apresentado no item 2 e o efetivamente observado no sistema.
Fluxograma 5 – Etapa aberta do modo de disputa aberto e fechado (Comprasnet)
Como visto, acredita-se que deve ser aberta a oportunidade de apresentar lance final fechado a todos que apresentarem lances até 10% superiores à menor oferta e; na hipótese de não existirem 3 (três) propostas dentro da faixa de 10%, os três licitantes mais bem classificados, independentemente do valor de seus lances, devem ser convocados.
No Comprasnet, após o encerramento da etapa aberta, o valor do menor lance é verificado e calcula-se a margem dos 10% (dez por cento) indicada no §2º do art. 33 do decreto. A partir disso, há 4 (quatro) caminhos possíveis de serem trilhados, a depender do número de licitantes cujas ofertas não ultrapassarem o menor lance em mais de 10%.
Imaginando-se exemplo em que o melhor lance da etapa aberta foi de “R$ X”, estas seriam as alternativas enfrentadas:
i) Se houver apenas 1 (um) lance abaixo de “R$ X + 10%”, o sistema convocará mais 3 (três) participantes, independentemente dos valores ofertados. Assim, 4 (quatro) licitantes terão a oportunidade de dar um lance final fechado;
ii) Se houver 2 (dois) lances abaixo de “R$ X + 10%”, o sistema convocará mais 3 (três) participantes, independentemente dos valores ofertados. Assim, 5 (cinco) licitantes terão a oportunidade de dar um lance final fechado;
iii) Se houver 3 (três) lances abaixo de “R$ X + 10%”, o sistema não convocará nenhum participante adicional. Assim, 3 (três) licitantes terão a oportunidade de dar um lance final fechado; e
iv) Se houver 4 (quatro) ou mais lances abaixo de “R$ X + 10%”, todos os licitantes que apresentaram proposta dentro da margem terão a oportunidade de dar um lance final fechado.
Fluxograma 6
Ao que se sabe, o raciocínio derivaria do termo “subsequentes” contido no §2º do art. 33 do decreto nº 10.024/2019. Acredita-se, no entanto, não ser a melhor interpretação, por diferentes motivos.
Observa-se que o dispositivo apresenta evidente semelhança com a norma que regulamenta a forma presencial da mesma modalidade licitatória:
Ademais, a linha de raciocínio adotada pela interpretação do sistema não é nova. Nos primeiros anos após a regulamentação do pregão presencial, a partir do mesmo vocábulo (“subsequentes”), houve quem especulasse que, com o chamamento adicional do art. 11, VII, 5 (cinco) participantes poderiam ser alcançados.
Sobre o assunto, discorreu Ronny Charles:
A leitura do dispositivo dá a impressão de que, não se verificando, pelo menos, três propostas no patamar entre a menor proposta e o limite de até 10% superior em seu valor, seria permitida a participação de mais três. pois o pregoeiro classificaria as melhores propostas subsequentes, até o máximo de três, para que seus autores participem dos lances verbais. Assim, caso o limite “máximo de três” proposto pelo Decreto, como defendem alguns, relacionar-se às melhores proposta subsequentes, implicar-se-ia possibilidade de adição desses “mais três” aos dois proponentes abrangidos pelas condições definidas no inciso VI daquele artigo do regulamento, Podendo-se chegar a, pelo menos, 5 participantes da etapa de lances. (TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 2019. p. 1040)
Como sabido, esse entendimento não prosperou ao pregão presencial. Há, inclusive, decisões do TCU que determinaram “fosse observado o número mínimo de três interessados, na fase de lances do pregão presencial, salvo limitação do mercado ou manifesto desinteresse”. (Acórdão 645/2007-Plenário)
Ainda que se negue relação ou semelhança com o referido dispositivo, a sistemática adotada no Comprasnet cria distinções entre as hipóteses que não se justificam quando se examina o fundamento da norma específica. É patente que a finalidade de abrir a oportunidade para oferta de lance final fechado a licitantes que deram lances acima da margem de 10% está relacionada com a tentativa de garantir o mínimo de competitividade à fase do certame.
Isso posto, inexiste razão lógica para que o número mínimo de licitantes seja variável. Por qual motivo a competitividade da disputa estaria teoricamente resguardada ora com, pelo menos, 3 licitantes, ora com 4 licitantes, ora com 5 licitantes? O que, efetivamente, discriminaria as situações?
Ao contrário, seja a lei nº 10.520/2002; seja o regulamento do pregão presencial; seja o regulamento do RDC (quando dispõe sobre o modo combinado aberto e fechado); seja o próprio decreto nº 10.024/2019, contenta-se com a presença de três propostas ou lances. É justamente por esse motivo que, de acordo com o art. 33, §3º, existindo três ofertas, não haverá convocação adicional de licitantes para a etapa fechada.
Visto que o decreto do pregão eletrônico se satisfaz com a presença de três ofertas dentro da margem de 10%, como se justifica o cenário em que, por não existir três, se obriga o chamamento adicional para que se obtenha, necessariamente, 4 (quatro) ou 5 (cinco) licitantes para oportunizar um lance final fechado?
Por óbvio, reconhece-se que a presença de um número maior de participantes na etapa fechada potencialmente favorece a competitividade. Em tese, a norma poderia ter ampliado o mínimo para 5 (cinco) licitantes para todas as situações, mas não o fez. O que se coloca em causa é a diferenciação de hipóteses sem fundamento lógico.
3.2) Da ausência de lance final fechado
O art. 33, §5º, do decreto nº 10.024/2019 prescreve que, na ausência de lance final e fechado durante o prazo de cinco minutos concedido aos licitantes (com ou sem convocação adicional, art. 33, §§2º e 3º), “haverá o reinício da etapa fechada para que os demais licitantes, até o máximo de três, na ordem de classificação, possam ofertar um lance final e fechado em até cinco minutos”. Trata-se da hipótese acima denominada como “etapa fechada deserta”.
Essa situação, em específico, está bem parametrizada no Sistema de Compras do Governo Federal – Comprasnet: quando todos os licitantes convocados ignoram a chance de dar um lance final fechado, a plataforma, com fundamento no §5º do art. 33, convoca outros participantes, até o máximo de três, e dá reinício à etapa fechada, concedendo-lhes a mesma oportunidade.
Ocorre que, inexplicavelmente, o Comprasnet criou a figura da “segunda etapa fechada” que, além de atender os casos em que não houve nenhum lance na “primeira etapa fechada” (art. 33, §5º), abarca outras duas hipóteses, sem qualquer fundamento normativo.
A análise de diversas atas de pregões realizados nos últimos meses (acessíveis à sociedade) e simulações no ambiente de treinamento da plataforma revelam que, mesmo diante da oferta de 1 (um) ou 2 (dois) lances finais fechados, o sistema, automaticamente, realiza uma segunda etapa fechada com a convocação adicional de três licitantes que, na etapa aberta, ofertaram valores acima da margem de 10%.
Desse modo, todos os órgãos e entidades que, obrigatória ou voluntariamente, utilizam o Comprasnet estão sujeitos ao procedimento a seguir esquematizado na etapa fechada de pregões eletrônicos realizados com modo de disputa aberto e fechado:
Fluxograma 7 – Etapa fechada do modo de disputa aberto e fechado (Comprasnet)
A rigor, nenhum dispositivo da lei do pregão ou do decreto nº 10.024/2019 condiciona o encerramento da disputa à existência de três lances finais fechados; ou dispõe sobre o reinício da etapa fechada quando presentes 1 (uma) ou 2 (duas) ofertas fechadas na primeira convocação.
A permissiva existe apenas na ausência de lance final fechado (art. 33, §5º) ou “na hipótese de não haver licitante classificado na etapa de lance fechado que atenda às exigências para habilitação” (art. 33, §6º). Ademais, a condição do art. 33, §3º (“ausência de, no mínimo, três ofertas nas condições de que trata o § 2º”) relaciona-se à faixa dos 10% da etapa aberta, e não aos lances finais fechados.
Vale notar que o procedimento, tal qual parametrizado no Comprasnet, possibilita a situação em que um licitante com o melhor lance da etapa aberta (ou qualquer outro que se encontre dentro da margem de 10%), que atende à convocação e registra um lance final fechado, fique à mercê de ter sua oferta coberta por outros licitantes, durante essa nova etapa fechada idealizada pelo sistema.
Como qualquer norma já existente, o decreto nº 10.024/2019 não é perfeito. Essa constatação, no entanto, não significa deixar de reconhecer valor em sua construção; no rompimento com os quase quinze anos em que vigeu o regulamento anterior; na incorporação de entendimentos jurisprudenciais já consolidados; e, claro, na apresentação de algumas novidades.
É preciso olhar para frente, tendo em conta que o regulamento já está posto à sociedade. Transigir também é evoluir.
Dawison Barcelos.
Versão formatada para download (.pdf)
Fonte: O licitante