Royalties de Petróleo e Retenções Indevidas dessa Receita Municipal por Luiz Rodolfo Cabral

O município de Três Barras no Estado do Paraná buscava o reconhecimento do direito a recálculo do coeficiente de sua cota no Fundo de Participação dos Municípios (FPM), em razão de um erro de contagem no censo de 2007.

Para a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em função do princípio da anualidade orçamentária, não é possível aplicar, em meio ao exercício financeiro, novos coeficientes de cada município no FPM.

Caso fosse aceita a tese de que os municípios podem buscar o ressarcimento posterior, pretendendo a adoção de novos critérios com base nas informações do mesmo exercício, seria necessário aceitar que a União também poderia, em um mesmo exercício, fazer a revisão desses critérios, voltando-se contra municípios que, eventualmente, tivessem recebido valores a mais do FPM.

Aquela controvérsia veio ao pensamento, diante do quadro atual que temos visto na distribuição de receitas de royalties de petróleo e gás natural.

Para se dar um exemplo, no último mês de maio do corrente ano, o Município de Bertioga/SP sofreu desconto de R$ 2.939.956,22 (dois milhões e novecentos e trinta e nove mil e novecentos e cinquenta e seis reais e vinte e dois centavos) no seu repasse, o que equivale a cerca de 40% (quarenta por cento) da receita que lhe e devida.

Na listagem de distribuição de royalties por motivo de enquadramento, divulgada pela ANP, não consta a razão para isso, e apenas em ofício que ora circula entre as municipalidades é revelado motivo de parte da causa para esse desconto, qual seja o pagamento de valor retroativo ao Município de Campos dos Goytacazes, em face de decisão judicial.

Ora, se para o simples ajuste de cotas de Fundo, como no caso do FPM acima referido, foi necessária a observância do principio da anualidade, como se pode admitir que haja tão grande retenção de valores devidos a município beneficiário de royalties, sem, no mínimo, seguir essa regra?

Lembremos a natureza da receita em questão: “Os royalties possuem natureza jurídica de receita transferida não tributária de cunho originário emanada da exploração econômica do patrimônio público, afastada sua caracterização seja como tributo, seja como indenização.” Ou ainda: “Os royalties são receitas originárias da União, tendo em vista a propriedade federal dos recursos minerais, e obrigatoriamente transferidas aos Estados e Municípios.”, assim decidiu o Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 4846, relatada pelo Ministro Edson Fachin.

Para além de confirmar a antiga jurisprudência da Casa, já firmada no âmbito do MS 24.314, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, o entendimento recém trazido a lume sepulta dúvidas quanto a quem pertence essa receita, que, portanto, tendo caráter patrimonial, se desvanece da característica de fundo.

Conquanto não se desrespeite as determinações judiciais como aquela antes referida, o fato e que inexistem decisões que determinem que tais retenções sejam feitas em valores pré-determinados, e, muito menos, que sejam realizadas sem a oitiva prévia dos interessados.

Ora, e pacífica a orientação da própria Procuradoria da ANP no sentido de ser necessário a observância do devido processo legal no que tange aos interesses econômicos dos entes públicos beneficiários de royalties – conforme Nota PGR/RJ 575/2007.

Não se neglicencia o poder de autotutela da Administração Pública, tampouco da obediência a decisões judiciais, mas se questiona a razão para que os entes interessados não tenham espaço para questionar aspectos legais e financeiros das retenções que sofrem.

Faz-se necessário estabelecer o espaço adequado para esse fim, e, ao nosso sentir, a adoção de audiência publica que envolva os entes públicos interessados é providencia prevista no Regimento Interno da ANP, que poderia muito bem minorar a judicialização do tema.

Outra solução para o caso seria a adoção formal em Lei de regras para que sejam feitos os ajustes necessários nos repasses de royalties, de modo a proteger os orçamentos municipais de desvios dessa natureza, que nada tem a ver com as variações dos valores arrecadados com royalties, decorrente da flutuação dos preços do petróleo, do dólar e da produção. Se fossem considerados apenas esses fatores, o certo é que jamais houve redução nominal dos repasses administrativos dessa arrecadação.

Portanto, urge que se tome providências para que, respeitadas as decisões judiciais, seja possível igualmente manter a receita municipal de royalties protegida de retenções realizadas ao relento de normas e precedentes como o aqui citado.

Luiz Rodolfo Cabral, advogado, sócio do escritório Cabral, Cunha e Toledo Advogados,  é consultor jurídico da Associação dos Municípios Sede de Pontos de Entrega e Recebimento de Gás Natural – AMPEGÁS.



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