- 19 de setembro de 2024
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ARTIGO: Falhas no planejamento de Contratos de Gestão
* Bruno Oliveira Netto
A celebração de Contratos de Gestão entre entes públicos e Organizações Sociais (OSs) para o gerenciamento de serviços públicos representa um instrumento estratégico para otimizar a eficiência e a qualidade da prestação destes serviços à população.
Estas contratações ocorrem no âmbito do Terceiro Setor que é composto por organizações privadas sem fins lucrativos que se diferenciam do mercado comum por não buscarem a distribuição de lucro como objetivo principal, mas sim a promoção do bem-estar e da transformação social.
No Brasil, o Terceiro Setor assume um papel relevante complementando e ampliando o acesso aos serviços públicos nas áreas da saúde, educação, assistência social e cultura, por exemplo.
A atuação dessas entidades em parceria com a Administração Pública é feita por meio de ajustes formais celebrados entre as partes e podem assumir diversos formatos. Dentre eles, destacamos o Contrato de Gestão que consiste em um regime de mútua cooperação entre a Administração Pública e uma Organização Social para a gestão de serviços públicos de forma descentralizada, regulamentado pela Lei Federal nº 9.637, de 15 de maio de 1998.
Estas contratualizações têm aumentado de maneira acentuada ao longo dos anos, sob o argumento de que contribuem para a otimização da gestão pública considerando que estas entidades possuem maior agilidade e flexibilidade na movimentação de recursos e execução de projetos, o que pode levar a uma maior eficiência na prestação desses serviços. Contudo, para cumprimento desse objetivo é necessário que sejam respeitados os princípios da Administração Pública e que se realize o acompanhamento da execução contratual.
Nessa perspectiva, falhas de planejamento nos Contratos de Gestão na área da saúde, como as citadas a seguir, reduzem o potencial de melhorias advindas destas parcerias:
– Falta de estudos da demanda assistencial local (gestão das filas e estudo do perfil epidemiológico);
– Ausência de avaliação da oferta baseada na capacidade instalada da unidade (cálculo de capacidade instalada);
– Ausência de demonstrativo de custo estimado dos procedimentos ofertados (custos unitários);
Estas falhas de planejamento comprometem a tomada de decisão do Poder Público acerca das ações a serem realizadas pela entidade parceira, o que pode comprometer o direito ao acesso
universal e igualitário aos serviços do Sistema Único de Saúde, que é dever do Estado, conforme dispõe o artigo 196 da Constituição Federal, além de colocar em risco a sustentabilidade da Organização Social por vincular a atuação da entidade contratada a metas irreais.
Por isso, é fundamental que as entidades do Terceiro Setor, na fase do Chamamento Público (etapa concorrencial de seleção da entidade), examinem os estudos que balizaram as metas estabelecidas no edital para que, desta forma, certifiquem-se que as etapas de planejamento foram cumpridas e as metas definidas estão fundamentadas de acordo com o cenário da demanda e da oferta.
Esta prática confere segurança à execução contratual, pois evita que a entidade sofra com a aplicação de descontos financeiros e sanções previstas no contrato por não atendimento de metas inalcançáveis ou por não serem remuneradas por prestação de serviço que superem metas subestimadas.
A definição de metas realistas e justas é crucial para o sucesso da parceria entre a Administração Pública e o Terceiro Setor. Sucesso esse que reflete diretamente na assistência prestada aos usuários do Sistema Único de Saúde.
Falha de Planejamento
A ausência de estudo adequado de planejamento antes da abertura de Chamamento Público é um erro grave e muito comum por parte do ente público.
Embora o planejamento público no Brasil tenha evoluído ao longo da história, pode-se notar que as falhas de planejamento das Políticas Públicas ficaram mais evidentes com o advento da contratualização com o Terceiro Setor, visto que a formalização destes ajustes permitiu identificar de maneira concreta o plano de trabalho com a definição das metas quantitativas e qualitativas para cada período, o que expôs no curto prazo a necessidade frequente de modificações do planejamento inicial por meio de Termos Aditivos para alteração das metas acordadas, porém irreais.
Percebe-se então que a emissão frequente de Termos Aditivos que modificam substancialmente o número de procedimentos (metas quantitativas), em curto prazo, sem que
haja um evento ou algo inesperado que o justifique evidenciam falha no planejamento realizado.
Portanto, a entidade do Terceiro Setor que é parte em um contrato de gestão com falhas de planejamento fica sujeita à conveniência do ente público em corrigir ou fazer cumprir as cláusulas contratuais, o que atribui elevado risco para a atuação da entidade contratada.
Podemos citar como um exemplo: uma meta contratual de 100 cirurgias/mês a ser realizada pela unidade de saúde. Considera-se que a entidade manteve a estrutura em funcionamento com a oferta de profissionais e de insumos, no entanto, a demanda local e a referenciada não permitiram o alcance da meta. Neste caso, o desconto pelo não atingimento da meta se aplica fazendo com que a entidade sofra penalização devido à falha de planejamento. Por outro lado, caso o desconto não seja aplicado configura-se dano ao erário devido à aplicação de recurso público sem a efetiva prestação do serviço à sociedade.
Outro ponto crítico decorrente do estabelecimento de metas irreais é a distorção conhecida na doutrina como “incentivo perverso” que leva o contratado a realizar procedimentos sem a real necessidade, realizando-os apenas para atingir o quantitativo necessário e evitar as sanções contratuais. Tal situação coloca em risco pacientes e contribui para a ineficiência do serviço público.
Sem uma base sólida para a construção da contratação o gestor é levado a ofertar assistências que não se relacionam com a necessidade local, nem com o perfil epidemiológico, tampouco com a capacidade instalada da unidade.
Para se alcançar uma decisão acertada no estabelecimento das metas é fundamental olhar para a Rede de Atenção à Saúde (RAS) de forma ampla e assim definir a oferta de serviços de saúde e referenciá-los a fim de atingir a sua maior eficiência.
O estudo prévio requerido não advém da análise apartada da unidade de saúde e sim das informações preexistentes que foram trabalhadas, por exemplo, na elaboração da Programação Pactuada Integrada (PPI), a qual define diretrizes quantitativas e qualitativas da assistência a ser prestada na média e alta complexidade (MAC).
Os Estados devem realizar a regulação das referências intermunicipais expressa na coordenação do processo de construção da PPI e para isso ficam responsáveis por coordenar a elaboração e revisão periódica da PPI junto com os Municípios.
Assim sendo, o processo de elaboração da PPI, que requer um estudo amplo envolvendo o Estado e seus Municípios, representa o principal instrumento para conhecer a capacidade
instalada da rede e a quantidade de oferta assistencial disponível.
Em que pese a programação deste instrumento de planejamento (PPI) seja destinada à assistência de média e alta complexidade, a integralidade do cuidado considera a rede de serviços composta por distintos níveis de complexidade e, para definição de parcela da assistência (média e alta complexidade), é preciso considerar a RAS como um todo, inclusive os procedimentos que serão tratados na atenção básica de cada município.
Outros instrumentos de planejamento, como os Planos Plurianuais (PPA) e o Anual de Saúde (PAS), o qual reflete as diretrizes do Planejamento de Programas, Ações e Políticas Públicas dos Planos Municipais de Saúde para o período de um exercício, também devem fazer parte desse conjunto de estudos que orientam o programa de trabalho vinculado ao Contrato de Gestão.
Portanto, essas peças de planejamento precisam ser consideradas na contratualização com o Terceiro Setor, no entanto, essa relação não é observada na prática. Até mesmo a PPI, que de acordo com a legislação necessita ser atualizada periodicamente, não tem sido revisada.
Por esse motivo, é comum identificar metas desconexas para uma mesma ação prevista nestes diferentes instrumentos de planejamento.
Conclui-se, portanto, que para mitigar potenciais riscos e garantir a viabilidade da execução contratual, o Poder Público deve certificar-se de que as metas estabelecidas estejam comprovadamente embasadas em estudos abrangentes e reflitam com fidelidade a demanda. Ao priorizar objetivos realistas e alinhados às necessidades da comunidade, a organização pode enfim dedicar-se a buscar a eficiência almejada ao invés de concentrar esforços na defesa de contratos fadados ao fracasso.
* Bruno Oliveira Netto é Auditor de Controle Externo da 1ª Diretoria de Fiscalização do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP)
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Fonte: TCESP
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