Artigo: Nova Lei de Licitações – Compras – Normas Específicas – Marcelo Palavéri

As compras são definidas na Lei 14.133/21 em seu artigo 6º, X:

Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:…

X – compra: aquisição remunerada de bens para fornecimento de uma só vez ou parceladamente, considerada imediata aquela com prazo de entrega de até 30 (trinta) dias da ordem de fornecimento.

A compra é o ato que transfere para o poder público o domínio de determinado bem, mediante a execução, pelo vendedor, de obrigação de dar (o referido bem) ao comprador (administração).

Assim, todas as vezes que o poder público pretender adquirir algo, recebendo o seu domínio em definitivo, estará promovendo uma compra.

A sua conceituação, portanto, é simples, e não contempla grande dificuldade de intelecção.

Alguma dificuldade, no entanto, pode ocorrer no caso do confronto e distinção de compra com outros instrumentos, como, por exemplo, a locação, ou a prestação de serviços.

Difere, assim, da locação, que veremos adiante, pois nesta a administração não adquire o domínio do bem, mas apenas a sua posse temporária, exatamente pelo período de vigência do ajuste.

Também alguma dificuldade se encontra na distinção entre compra e serviço. A característica diferencial, está, vale dizer, na natureza da obrigação assumida pelo contratado. Na compra predomina a obrigação de darao passo que na prestação de serviços a predominância é da obrigação de fazer.

A primeira, a obrigação de dar, típica das compras, como se disse, predomina pela transferência do domínio de um bem ao comprador; ao passo que na obrigação de fazer está envolvida outra atividade, a de transferir ao contratante algo que se traduza como uma atividade pessoal.

O Planejamento das Compras

Preconiza o artigo 40 da Lei 14.133/21 a necessidade das compras realizadas pelo poder público submeterem a um planejamento, este aliás estabelecido para conduzir e informar todos os procedimentos licitatórios e contratuais, à luz do artigo 5º que o eleva à condição de princípio, e por força do artigo 18 que fixa o planejamento como característica da fase preparatória da licitação.

Assim, resta previsto que o planejamento deverá considerar a expectativa anual de consumo, o que guarda lógica se considerarmos que as despesas públicas vinculam-se ao orçamento público, lei anual que contempla as receitas que serão auferidas e os gastos que serão realizados (LOA – Lei Orçamentária Anual).

No mais, o artigo 40 determina em seus incisos que as compras devem observar outras condições:

Art. 40. O planejamento de compras deverá considerar a expectativa de consumo anual e observar o seguinte:

I – condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado;

II – processamento por meio de sistema de registro de preços, quando pertinente;

III – determinação de unidades e quantidades a serem adquiridas em função de consumo e utilização prováveis, cuja estimativa será obtida, sempre que possível, mediante adequadas técnicas quantitativas, admitido o fornecimento contínuo;

IV – condições de guarda e armazenamento que não permitam a deterioração do material;

V – atendimento aos princípios:

a) da padronização, considerada a compatibilidade de especificações estéticas, técnicas ou de desempenho;

b) do parcelamento, quando for tecnicamente viável e economicamente vantajoso;

c) da responsabilidade fiscal, mediante a comparação da despesa estimada com a prevista no orçamento.         

Condições Semelhantes às do Setor Privado

Dentre as condições a serem observadas destaca-se a pretensão de que o poder público promova compras seguindo condições semelhantes àquelas levadas a efeito pela iniciativa privada, no que toca à aquisição e ao pagamento (artigo 40, I).

Essa norma, que já constava da Lei 8666/93 em seu artigo 15, III, é extremamente salutar, pois pretende igualar as condições com o setor privado, obviamente o que mais promove compras e as realiza com mecanismos mais dinâmicos, aptos a encontrar melhores condições negociais.

Certamente o propósito da norma é este, o de conferir ao poder público meios para que possa obter vantagens nos negócios. Daí estimular, e mesmo impor – como o faz o preceito ora sob comento – que se assemelhe à iniciativa privada nesse aspecto.

Nessa senda, muito se discute no âmbito das contratações públicas quanto à possibilidade de se promover o pagamento antecipado das despesas ajustadas, o que por vezes se apresenta como uma característica da iniciativa privada em suas negociações.

Normalmente o gestor se depara com situações em que isso é exigido pelo contratado, por ser condição usual no mercado privado, vendo-se em uma verdadeira encruzilhada, diante da dificuldade administrativa de efetivar e ver aceita essa opção, a despeito da clareza da norma do artigo 40, I (antes artigo 15, III da Lei 8666/93).

É que sempre surge o contraponto dos que apregoam a impossibilidade do pagamento antecipado, utilizando especialmente as regras da despesa pública, previstas na Lei 4320/64.

Com efeito, impera no ordenamento jurídico e na prática do setor público princípio contábil pelo qual a administração apenas pode remunerar o particular após executada a sua obrigação, no caso das compras após a entrega do bem. Extrai-se esse entendimento da leitura dos artigos 62 e 63 da mencionada Lei 4320/64.

E no cotejo das duas regras tem prevalecido, mais em face da cautela e do hábito que por outra razão, essa última hipótese, relegando a situações excepcionais o pagamento antecipado, cercando-o de cautelas extremas[1].

Mesmo assim, diante de situações concretas o TCU tem admitido a possibilidade de pagamento antecipado em situações especiais, preconizando a necessidade de prévia e explícita previsão no edital, precedidas de garantias indispensáveis à segurança da despesa, aptas a permitir reaver os recursos empregados (acórdão 374/2011, e 1090/2007).

Bem por isso, a Lei 14.133/21 estabelece no artigo 145, ainda que tratando-a como exceção, a possibilidade do pagamento antecipado:

Art. 145. Não será permitido pagamento antecipado, parcial ou total, relativo a parcelas contratuais vinculadas ao fornecimento de bens, à execução de obras ou à prestação de serviços.

  • 1º A antecipação de pagamento somente será permitida se propiciar sensível economia de recursos ou se representar condição indispensável para a obtenção do bem ou para a prestação do serviço, hipótese que deverá ser previamente justificada no processo licitatório e expressamente prevista no edital de licitação ou instrumento formal de contratação direta.

  • 2º A Administração poderá exigir a prestação de garantia adicional como condição para o pagamento antecipado.

  • 3º Caso o objeto não seja executado no prazo contratual, o valor antecipado deverá ser devolvido

Processamento pelo Sistema de Registro de Preços

O inciso II do artigo 40 estabelece que as compras, quando pertinente, devem ser precedidas de procedimento licitatório de registro de preços.

O procedimento do registro de preços (artigos 82 a 86), vale dizer, não é modalidade de licitação, sendo classificado pela Lei 14.133/21 como um procedimento auxiliar (artigo 77), consistindo em um sistema pelo qual o poder público arquiva (registra) preços unitários de bens e serviços, para posterior contratação. Assim, estuda­remos o tema considerando ser ele uma derivação da con­corrência e do pregão, modalidades licitatórias pelas quais o registro de preços se processa.[2]

A definição do sistema é apresentada pelo artigo 6º, XLV:

Art.6º…

XLV – sistema de registro de preços: conjunto de procedimentos para realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos a prestação de serviços, a obras e a aquisição e locação de bens para contratações futuras;

Diógenes Gasparini define o registro de preços como sendo “o arquivo público dos preços unitários de coisas comumente dese­jadas pela Administração Pública, selecionados mediante li­ci­ta­­ção,­ sendo os melhores por ela utilizados, enquanto vigente o sis­tema, em suas futuras contratações se compatíveis com os preços de mercado.”[3]

Hely Lopes Meirelles, por sua vez, o faz da seguinte forma: “O Registro de Preços é o sistema de compras pelo qual os interessados em fornecer materiais, equipamentos ou gêneros ao Poder Público concordam em manter os valores registrados no órgão compe­tente, por um determinado período, e a fornecer as quantidades so­licitadas pela Administração no prazo previamen­te estabelecido. ”[4]

Também Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, em seu festejado Sistema de Registro de Preços e Pregão (p. 27), o define como um: “procedimento especial de li­­citação, que se efetiva por meio de uma concorrência ou pregão sui generis, selecionando a proposta mais vantajosa, com observância do princípio da isonomia, para eventual e futura contratação pela Administração.”

A Padronização

A padronização consiste na compra de bens móveis para o serviço público em geral, com especificações uniformes, compatibilizadas em técnica e desempenho, para facilitar as condições de manutenção e assistência técnica, quando for o caso, e encontra previsão no Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos (artigo 40, IV, “a”) como princípio a ser atendido pelo planejamento das compras públicas.

O princípio da padronização visa propiciar à Administração Pública a possibilidade de adquirir bens com as mesmas especificações técnicas e de desempenho, facilitando, desta forma, não só a operatividade por um maior número de pessoas, como também a manutenção e assistência técnica, servindo como padrão (como regra) nas aquisições do poder público.

O artigo 43 da Lei 14.133/21 fixa o que deverá conter o processo realizado pelo poder público para a padronização:

Art. 43. O processo de padronização deverá conter:

I – parecer técnico sobre o produto, considerados especificações técnicas e estéticas, desempenho, análise de contratações anteriores, custo e condições de manutenção e garantia;

II – despacho motivado da autoridade superior, com a adoção do padrão;

III – síntese da justificativa e descrição sucinta do padrão definido, divulgadas em sítio eletrônico oficial.

  • 1º É permitida a padronização com base em processo de outro órgão ou entidade de nível federativo igual ou superior ao do órgão adquirente, devendo o ato que decidir pela adesão a outra padronização ser devidamente motivado, com indicação da necessidade da Administração e dos riscos decorrentes dessa decisão, e divulgado em sítio eletrônico oficial.

O reconhecimento da padronização de bens, deve ser precedido de processo administrativo (“… a padronização carece de processo administrativo adequado, aprovado pela autoridade superior, devendo, ademais, conter motivos de ordem técnica, conveniência econômica, relatórios, atestados, enfim, as razões e características que, comprovadamente, indiquem a necessidade administrativa da continuidade de aquisição de um determinado produto (…)” – (TCESP – 15417/026/94, Rel. Cons. Dr. Renato Martins Costa, publicado no Diário Oficial do Estado de 12.6.1996, p. 17)

Nesse processo, deve-se observar as fases clássicas da (i) iniciativa; (ii) instrução; (iii) decisão; e (iv) divulgação:

(i) a fase inicial (iniciativa) é deflagrada através de requerimento formulado pelo setor interessado, no qual expõe a necessidade em se padronizar um determinado bem. Nesse momento, a título meramente ilustrativo, poderá adotar um modelo dentre os vários bens similares encontráveis no mercado (nesse caso poderá haver uma marca que reflita o padrão) ou criar o seu próprio padrão, definido a partir dos conhecimentos e necessidades, podendo estar ancorado em estudos, laudos, perícias e pareceres técnicos.

(ii) diante da informação da necessidade de estabelecer um padrão, caberá à autoridade determinar a instrução do pedido, a ser conduzido por servidores públicos nomeados para a constituição de um colegiado (comissão).

A esse colegiado (cuja composição, poderes, finalidade e prazo para conclusão dos trabalhos deverão estar indicados no ato de nomeação) será conferida a atribuição de estudar o pedido, instruindo o processo com parecer técnico sobre o produto, considerados especificações técnicas e estéticas, desempenho, análise de contratações anteriores, custo e condições de manutenção e garantia (artigo 43, I), chegando ao final a uma conclusão fundamentada.

(iii) alcançado este estágio do processo, caberá à autoridade superior decidir pela adoção ou não do padrão, de forma fundamentada (artigo 43, II). Cabe, portanto a ela verificar a conveniência e oportunidade da padronização, promovendo-a juridicamente.

Diante da importância do tema, entende-se que a autoridade deve submeter a matéria a parecer do órgão de assessoramento jurídico da administração sobre a legalidade do respectivo processo de padronização.

De posse de parecer favorável, elaborado pela assessoria jurídica, a autoridade terá plena condição de examinar o processo por completo e sob todos os ângulos, decidindo pela adoção do padrão; por sua negativa e consequente arquivamento do processo; ou, ainda, por retornar o processo à comissão para aprofundamento dos estudos.

(iv) concluindo o processo, o ato que decide pela padronização deve ser publicado no sitio eletrônico oficial para que produza efeitos externamente e para propiciar aos interessados em geral a sua apreciação (artigo 43, III).

De se observar, no entanto, que o fato de haver processo de padronização não dispensa o Município de realizar o devido procedimento licitatório. Em tese o certame será possível, a não ser que esteja presente uma das hipóteses legais excludentes.

Desta forma, a escolha de um padrão nem sempre conduzirá a uma contratação certa e direta, o que apenas acontecerá se o objeto for fornecido somente por um, quando, em verdade, a licitação será inexigível, por inviabilidade de competição (Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de: I – aquisição de materiais, de equipamentos ou de gêneros ou contratação de serviços que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos).

Entretanto se, mesmo escolhido o padrão, houver mais de um fornecedor, torna-se necessário que proceda-se à licitação, visando-se, pelo menos, a dar a todos iguais oportunidades, sendo possível indicar, no processo de disputa, a marca ou modelo pretendido, conforme autorizado pelo artigo 41, I, “a”:

Art. 41. No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente:

I – indicar uma ou mais marcas ou modelos, desde que formalmente justificado, nas seguintes hipóteses:

a) em decorrência da necessidade de padronização do objeto;

         Com efeito, após padronizado, e atingida a marca (ou padrão) dessa padronização, a licitação poderá, em tese, ser realizada entre os que podem oferecer o bem, fato este que de igual modo poderá estar limitado a um único fornecedor, por ser seu único e exclusivo fabricante.

Assevera, nesse diapasão, Eros Roberto Grau: “Em todos esses casos deve a autoridade administrativa abster-se de licitar. Insisto em que se trata, aí, de um dever da Administração, não de faculdade sua. O dever de licitar em tais casos não incide. A licitação seria inútil, adversa, pois, ao interesse público[5]

Essa inteligência é manifestada pela unanimidade dos autores especializados, bastando para demonstrar dita uniformidade de pensamento a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, proferida nestes termos: “São licitáveis unicamente objetos que possam ser fornecidos por mais de uma pessoa, uma vez que a licitação supõe disputa, concorrência, entre ofertantes”[6]E, também, Diógenes Gasparini: “Assim, demonstradas devidamente as vantagens da preferência pela marca, raça ou variedade tal, em processo administrativo de padronização, legítima será a aquisição efetiva pela entidade compradora após a sua adoção, sem o prévio procedimento licitatório”.[7]

Com efeito, a licitação só tem sentido lógico-jurídico, e prático, na presença de vários interessados na realização de um dado negócio com a Administração Pública. Em suma, se existir, por exemplo, um só ofertante, porque detentor do único ou de todos os bens existentes, não cabe falar em licitação para sua aquisição.

Novamente, os ensinamentos de Diógenes Gasparini: “A padronização, por si só, também não acarreta, de modo algum, a dispensa ou inexigibilidade de licitação na contratação de empresa para a execução dos serviços de manutenção (retirada, recuperação e reinstalação) dos equipamentos uniformizados. Se diversas empresas puderem prestar proficientemente esse serviço, a licitação para a escolha de uma delas é imperativo tanto do Estatuto Federal das Licitações e Contratos Administrativos como da Constituição da República. Se, ao contrário, somente uma empresa puder satisfazer ao desejado, o certame licitatório é inexigível por motivos lógicos e práticos. Ademais, na hipótese a contratação ajusta-se à previsão do inciso I do art. 25 do Estatuto Federal das Licitações e Contratos Administrativos. No caso da Consulta, a contratação direta do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, como não podia deixar de ser, observou a logicidade da situação, pois essa entidade é prestadora exclusiva dos serviços de manutenção dos hidrômetros que fabrica, conforme atestado pelo sindicato patronal da categoria. Nada, portanto, pode ser contestado, salvo por emulação ou interesses de outra ordem. Nessas hipóteses, como sempre ocorre, a contestação não obstaria a padronização” [8].

Os tribunais, de igual sorte, vêm se posicionando nesse sentido, admitindo a inexigibilidade em casos de bens padronizados, onde se indica a marca dessa padronização, desde que reste provado a existência de fornecedores ou fabricante exclusivo.

Por fim, é fundamental considerar que a padronização poderá ser efetivada com base em processo de outro órgão ou entidade de nível federativo igual ou superior ao do órgão adquirente, devendo o ato que decidir pela adesão a outra padronização ser devidamente motivado, com indicação da necessidade da Administração e dos riscos decorrentes dessa decisão, e divulgado em sítio eletrônico oficial (artigo 43, parágrafo 1º).

Afora a inadequada redação que acentua a suposta existência de níveis das pessoas jurídicas que compõem a Federação, o que é inadequado, o preceito autoriza os Municípios a adotarem padrões que tenham sido reconhecidos em processos de outros Municípios, ou órgãos municipais (nível federativo igual), bem como dos Estados, Distrito Federal e da União (nível federativo superior).

Nesse caso, entendemos que deve haver também processo administrativo para esse reconhecimento, o qual percorrerá as fases antes mencionadas: (i) iniciativa; (ii) instrução; (iii) decisão; e (iv) divulgação.

A diferença básica, contudo, estará no alcance da fase instrutória, que basicamente reproduzirá os estudos e o conteúdo da fase congênere do órgão em que tiver se baseado para adoção do padrão.

Assim, temos:

(i) a fase inicial será deflagrada através de requerimento formulado pelo setor interessado, no qual expõe a necessidade em se padronizar um determinado bem, podendo indicar a existência de outro processo de padronização em outro órgão ou entidade de nível federativo igual ou superior, carreando ou não desde logo cópia do processo mencionado, ou dados a seu respeito.

(ii) diante da informação da necessidade de estabelecer um padrão, a autoridade determinará a criação de colegiado constituído por servidores públicos para conduzir o processo.

A esse colegiado (cuja composição, poderes, finalidade e prazo para conclusão dos trabalhos deverão estar indicados no ato de nomeação) será conferida a atribuição de estudar o pedido, que nesse caso se restringirá à análise do processo de padronização (paradigma) adotado em outro órgão ou entidade de nível federativo igual ou superior, carreado pelo solicitante ou por ele indicado, chegando ao final a uma conclusão fundamentada.

(iii) alcançado este estágio do processo, caberá à autoridade superior decidir pela adoção ou não do padrão, com base em processo de outro órgão, de forma fundamentada (artigo 43, parágrafo 1º). Cabe, portanto a ela verificar a conveniência e oportunidade da padronização, promovendo-a juridicamente (mesmo diante dessas circunstâncias, entende-se que a autoridade deve submeter a matéria a parecer do órgão de assessoramento jurídico da administração sobre a legalidade do respectivo processo de padronização, e de posse de parecer favorável, elaborado pela assessoria jurídica, terá plena condição de examinar o processo por completo e sob todos os ângulos, decidindo pela adoção do padrão; por sua negativa e consequente arquivamento do processo; ou, ainda, por retornar o processo à comissão para aprofundamento dos estudos).

(iv) concluindo o processo, o ato que decide pela padronização com base em processo de outro órgão, de forma fundamentada, deve ser publicado no sitio eletrônico oficial para que produza efeitos externamente e para propiciar aos interessados em geral a sua apreciação (artigo 43, parágrafo 1º).

Catálogo Eletrônico de Padronização

Tema correlacionado ao da padronização, mas não necessariamente a ela vinculada, vem disciplinado no artigo 6º, LI, com a definição de catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras.

O dispositivo legal estabelece:

Artigo 6º ….

LI – catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras: sistema informatizado, de gerenciamento centralizado e com indicação de preços, destinado a permitir a padronização de itens a serem adquiridos pela Administração Pública e que estarão disponíveis para a licitação;

Ao que nos parece, são duas situações diversas: uma, a do catálogo, que padroniza itens, e outra a do processo de padronização efetivo de bens, mencionado e estudado acima, em que pese este último possa adotar como elemento de convicção o conteúdo do primeiro, o catálogo.

Vejamos.

O catálogo (cuja regulamentação é necessária por cada ente federativo, incluindo os Municípios – artigo 19, parágrafo 1º) consiste em um sistema informatizado a ser criado nos termos do artigo 19, II da Lei 14.133/21 (Art. 19. Os órgãos da Administração com competências regulamentares relativas às atividades de administração de materiais, de obras e serviços e de licitações e contratos deverão:…..II – criar catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras, admitida a adoção do catálogo do Poder Executivo federal por todos os entes federativos), que ao depois será utilizado preferencialmente no momento da descrição e especificação do produto (bem, serviço ou obra a serem contratados) quando da elaboração do termo de referência (artigo 40, parágrafo 1º, I), na fase preparatória da licitação.

Esse sistema, a nosso sentir, será alimentado com descritivos de objetos adquiridos e contratados, e ao longo do tempo haverá uma depuração empírica, própria de qualquer catálogo, mantendo-se e destacando-se aqueles que se apresentarem como os mais adequados. Assim, a inserção, ou manutenção do bem, serviço ou obra, no catálogo não significa que tenha previamente sido submetido ao processo de padronização a que alude o artigo 40, e que está esmiuçado no artigo 43, comentado acima.

Mesmo sendo dessa forma, a sua existência, e criação, não deixam de ter destacada importância, especialmente por facilitar a ação dos órgãos públicos na difícil missão de definir o objeto licitado, e também por permitir os necessários comparativos de preço no futuro, e a sedimentação de massa crítica para investigar a qualidade, os desvios e eventuais sobrepreços e superfaturamentos.

Nessa esteira, o catálogo (artigo 19) apresenta-se para o processo de padronização (artigo 43), como um elemento de convicção, um elemento que permitirá o início da padronização propriamente dita. Diante de forte convicção de que determinado bem satisfaz de forma exclusiva a pretensão, diante do histórico aferido no catálogo, poderá se iniciar (deflagrar) processo específico de padronização, instruindo-o, dentre outros, com os elementos aferidos e constantes do catálogo.

O catálogo, nesta lógica, poderá ser então um embrião do processo de padronização efetivo a que alude o artigo 43 da Lei 14.133/21.

O Parcelamento

O texto legal contém uma premissa básica quanto às compras, estabelecida como princípio no inciso V, “b” do artigo 40, que é a ideia de que se realizem atendendo ao parcelamento, sempre que for tecnicamente viável e economicamente vantajoso.

Para isso, os parágrafos 2º e 3º do artigo 40 disciplinam:

  • 2º Na aplicação do princípio do parcelamento, referente às compras, deverão ser considerados:

I – a viabilidade da divisão do objeto em lotes;

II – o aproveitamento das peculiaridades do mercado local, com vistas à economicidade, sempre que possível, desde que atendidos os parâmetros de qualidade; e

III – o dever de buscar a ampliação da competição e de evitar a concentração de mercado.

  • 3º O parcelamento não será adotado quando:

I – a economia de escala, a redução de custos de gestão de contratos ou a maior vantagem na contratação recomendar a compra do item do mesmo fornecedor;

II – o objeto a ser contratado configurar sistema único e integrado e houver a possibilidade de risco ao conjunto do objeto pretendido;

III – o processo de padronização ou de escolha de marca levar a fornecedor exclusivo.

Percebe-se que toda a ideia está centrada na aplicação do princípio da competitividade, em confronto com o princípio da economicidade (artigo 5º)informados pelo objetivo de assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública (artigo 11, I).

Pensando assim, buscando o propósito de satisfazer equilibradamente o conjunto dessas normas, é que a administração deverá decidir ao definir suas compras, indicando a forma pela qual apresentará à disputa licitatória os respectivos objetos que pretenda adquirir.

Cabe lembrar que as compras de bens comuns serão obrigatoriamente realizadas através da modalidade do pregão (artigo 6º, XLI, e 29) ao passo que as compras de bens especiais serão precedidas de licitação na modalidade de concorrência (artigo 6º, XXXVIII). Ambas, na forma disciplinada pela Lei 14.133/21, não carregam diferenciação no procedimento em face da mudança do objeto, e de seu valor, como acontecia sob a égide da Lei 8666/93, quando a definição da modalidade vinculava-se ao valor estimado da contratação, e vedava-se o fracionamento indevido do objeto para a fuga da modalidade adequada (artigo 23 da Lei 8666/93). Doravante, essa preocupação inexiste para fins de estabelecer eventual complexidade do procedimento, de modo que o parcelamento do objeto, preconizado pelos artigos antes reproduzidos, pode ser pensado sem essa preocupação.

O parcelamento do objeto é imposto quando este for tecnicamente viável, sem que comprometa a qualidade e integridadade do objeto pretendido, pois há presunção legal de que trará vantagens econômicas para o Município, dada a ampliação do universo de competidores.

A vantajosidade é presumida, sub-entendendo que o parcelamento poderá ampliar a competitividade, uma vez que, reduzido o objeto as exigências de ordem habilitatória poderão ser menores, e consequentemente, ampliar o número de proponentes, podendo se alcançar uma melhor proposta.

Responsabilidade Fiscal: Despesa Estimada X Previsão Orçamentária

Por fim o artigo 40, em seu inciso V, “c” nos diz que as compras devem atender ao princípio da responsabilidade fiscal, indicando que este deve ser havido mediante a comparação da despesa estimada com a prevista no orçamento.

São inúmeras as vezes em que a Lei 14.133/21 demonstra a preocupação com o equilíbrio da despesa pública, ponto fulcral da responsabilidade fiscal. Destaque-se, nesse sentido, as regras do artigo 11, parágrafo único, ao se estabelecer a necessidade dos processos licitatórios e respectivos contratos alinharem-se às leis orçamentárias, premissa ao depois reiterada no caput do artigo 18 fixando que devem compatibilizar-se com essas mesmas normas financeiras.

Para tanto, a realização das compras, e no mais de qualquer objeto submetido ao processo licitatório, deverá então voltar os olhos para o orçamento público.

Determina a Constituição Federal em seu art. 167 que todas as despesas públicas devem estar previstas no Orçamento do respectivo órgão (Lei Orçamentária Anual – LOA), de modo que os compromissos, para serem assumidos, devem respeitar a previsão de receitas.

Assim, a previsão e indicação de recursos orçamentários, é condição indispensável para a instauração do procedimento licitatório.

No caso das compras, então, uma vez definida a necessidade de determinado objeto, antes de licitá-lo, deverá a administração certificar-se quanto à existência de recursos orçamentários, sem os quais sequer poderá iniciar o certame, e o fará partindo do comparativo das disponibilidades em face do valor estimado para a contratação (a estimativa se faz nos termos do artigo 23).

Existe lógica nessa norma, pois do contrário estar-se-ia autorizando promover a seleção do futuro contratado para objeto de antemão, sabidamente impossível de se executar, por ausência de recursos orçamentários a lhe dar suporte. Seria iniciado um certame sem possibilidade de atingir seu fim, vez que a contratação antecipadamente estaria inviabilizada, porque a despesa dela oriunda não estava sequer prevista no orçamento.

Desse modo, a lei impõe como condição para o início do certame que haja recurso orçamentário para suportar a despesa no futuro.

A exigência, aqui mencionada, não significa a necessidade de empenhamento das despesas, fato que ocorrerá apenas após o término do certame e precedentemente ao contrato (art. 60 da Lei n. 4.320/64). Pressupõe apenas a verificação da existência dos recursos previstos orçamentariamente, e a sua formal indicação no procedimento, mencionando o saldo da dotação e a sua rubrica, de forma a demonstrar suficiência para suportar as despesas do ajuste vindouro.

A necessidade de indicação de recursos orçamentários naturalmente enseja trazer à tona algumas questões paralelas que sempre surgem em relação a esse aspecto.

A primeira delas diz respeito à necessidade de haver também recursos
financeiros para dar suporte às despesas oriundas do ajuste decorrente do certame licitatório. A nosso ver, a lei não fez, em momento algum, essa exigência, mencionando apenas a necessidade de comparar despesa estimada com a prevista no orçamento. Contudo, uma noção mais ampla de responsabilidade fiscal induz a administração a ao menos ficar atenta para o aspecto financeiro, ainda que somente o considere depois de concluído o certame licitatório, no momento da realização efetiva da despesa, na execução contratual, valendo-se dos meios disponíveis na legislação, mormente os estabelecidos na Lei Complementar 101/00 para tanto.

Outra questão é a de saber como agir diante da determinação legal. Feita a comparação da despesa estimada com a prevista no orçamento, é indispensável agir, realizando-se a reserva orçamentária desses recursos, para que no futuro haja efetiva disponibilidade na dotação para suportar o empenho a ser feito, dando guarida às despesas originárias do contrato.

A lei não obriga textualmente essa reserva. Parece-nos, contudo, ser indispensável, de certa forma, promover-se a “reserva” da dotação para fazer face às despesas do futuro ajuste, pois do contrário frustrar-se-ia a finalidade da norma, qual seja a de previamente exigir a verificação da disponibilidade orçamentária para dar amparo à futura avença, e de se realizar as compras apenas quando em compatibilidade com as receitas orçamentárias.

Desse modo, está implícita a exigência da reserva da “fatia” do orçamento, indicado como suporte, para fazer face às despesas futuras.

Termo de Referência para Compras

A depender da categoria de objeto a ser licitado, a Lei 14.133/21 estabelece a precedência de um documento necessário para estabelecer os parâmetros da contratação. É, assim, o documento, que juntamente com o edital, e na condição de seu anexo obrigatório, fixará os parâmetros da disputa, e das condições futuras da contratação. No caso das compras, esse documento é denominado termo de referência.

O artigo 6º, XXIII da lei fixa o conteúdo elementar do termo de referência:

XXIII – termo de referência: documento necessário para a contratação de bens e serviços, que deve conter os seguintes parâmetros e elementos descritivos:

a) definição do objeto, incluídos sua natureza, os quantitativos, o prazo do contrato e, se for o caso, a possibilidade de sua prorrogação;

b) fundamentação da contratação, que consiste na referência aos estudos técnicos preliminares correspondentes ou, quando não for possível divulgar esses estudos, no extrato das partes que não contiverem informações sigilosas;

c) descrição da solução como um todo, considerado todo o ciclo de vida do objeto;

d) requisitos da contratação;

e) modelo de execução do objeto, que consiste na definição de como o contrato deverá produzir os resultados pretendidos desde o seu início até o seu encerramento;

f) modelo de gestão do contrato, que descreve como a execução do objeto será acompanhada e fiscalizada pelo órgão ou entidade;

g) critérios de medição e de pagamento;

h) forma e critérios de seleção do fornecedor;

i) estimativas do valor da contratação, acompanhadas dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, com os parâmetros utilizados para a obtenção dos preços e para os respectivos cálculos, que devem constar de documento separado e classificado;

j) adequação orçamentária;

Percebe-se, a rigor, que estamos diante de documento que conterá as informações mais importantes para a disputa e seleção da proposta mais vantajosa, sendo o guia para que os licitantes possam oferecer suas propostas. Conterá:

  • A definição do objeto;
  • Fundamento da contratação (estudos técnicos preliminares);
  • Descrição da solução;
  • Requisitos da contratação;
  • Modelo de execução (como produzirá os resultados);
  • Como será a gestão do contrato;
  • Critérios de medição e pagamento;
  • Formas e critérios de seleção;
  • Estimativa do valor (pesquisa de preços);
  • Adequação orçamentária.

Além disso, nas compras, o artigo 40, parágrafo 1º da Lei 14.133/21 estabelece elementos específicos que devem compor o termo de referência:

I – especificação do produto, preferencialmente conforme catálogo eletrônico de padronização, observados os requisitos de qualidade, rendimento, compatibilidade, durabilidade e segurança;

II – indicação dos locais de entrega dos produtos e das regras para recebimentos provisório e definitivo, quando for o caso;

III – especificação da garantia exigida e das condições de manutenção e assistência técnica, quando for o caso.

Usualmente, e destacadamente nas compras, a administração enfrenta problemas quanto aos serviços de manutenção e assistência técnica, especialmente nas pequenas localidades, o que tem levado a refletir quanto à melhor forma de satisfazer suas necessidades após a entrega do bem. Pensando em facilitar a definição dessas circunstâncias, a lei estabeleceu a regra do parágrafo 4º do artigo 40, com o seguinte teor:

  • 4º Em relação à informação de que trata o inciso III do § 1º deste artigo, desde que fundamentada em estudo técnico preliminar, a Administração poderá exigir que os serviços de manutenção e assistência técnica sejam prestados mediante deslocamento de técnico ou disponibilizados em unidade de prestação de serviços localizada em distância compatível com suas necessidades.

Assim, o termo de referência será o documento adequado para indicar como ocorrerá a manutenção e a assistência técnica dos bens adquiridos. Poderá, de forma fundamentada, e na busca da satisfação do interesse público prever que sejam prestados mediante deslocamento de técnico ao local em que esteja o bem ou disponibilizados em unidade de prestação de serviços localizada em distância compatível com suas necessidades.

Na primeira das hipóteses, a título de exemplo, verificamos sua aplicação para os casos em que os bens não podem ser deslocados para manutenção e assistência técnica, tal como ocorre com equipamentos hospitalares de grande e médio porte; na segunda das hipóteses apresentam-se as situações de Municípios localizados distantes dos grandes centros e que por vezes precisam deslocar os bens adquiridos para manutenção até a sede de prestadores de serviços que se situam a longas distâncias (exemplo concessionárias de veículos). Com a solução conferida pela lei, o edital poderá fixar distâncias compatíveis para que se realizem os serviços, permitindo aferir, de fato, a proposta mais vantajosa.

Em consonância com este entendimento, podemos destacar posicionamento do E. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo: “A propósito, por se falar em discricionariedade administrativa, relembro que a Administração está em situação privilegiada para identificar a providência mais adequada à satisfação de um dado “interesse público”, ou seja, aquela que seja apta no caso concreto a atender, com perfeição, à finalidade da norma, como retrata Celso Antonio Bandeira de Mello, em sua obra “Curso de Direito Administrativo” – 20ª Ed. – Malheiros Editores.

O mesmo raciocínio dirijo às impugnações remanescentes, seja por não constar dos autos demonstrativos aptos a atestar, de forma induvidosa, a insuficiência do prazo de cento e cinquenta dias para a entrega – ao invés dos cento e oitenta dias sugerido pela Subscritora -, seja por não se mostrar desproporcional ou desarrazoado o estabelecimento da garantia e assistência técnica autorizada em raio máximo de duzentos quilômetros de Campinas.

Aliás, especialmente quanto a este último ponto, o repertório jurisprudencial conta com precedentes que aceitaram o estabelecimento de assistência técnica em distâncias inferiores a duzentos e cinquenta quilômetros, a exemplo da deliberação exarada no TC000623/008/11 (Sessão do Tribunal Pleno de 20/7/2011).” TC 00014471.989.18-6 – Cons. Rel. Substituto Dr. Samy Wurman – DOE 27.06.2018

Indicação de Marca ou Modelo

A indicação de marca ou modelo no processo licitatório sempre foi rechaçada, sob o correto argumento de que pode comprometer a igualdade e a competitividade. Com efeito, a mera indicação, sem justificativa ou propósito, tem realmente esse condão, limitando o cenário dos participantes de forma indevida.

A Lei 14.133/21 preserva esse entendimento como regra, garantindo o implemento dos princípios mencionados. Por prestigiar e elevar a igualdade e a competitividade à condição de princípios do sistema, nada mais lógico que tenha estabelecido no artigo 41 que a indicação de marca ou modelo é situação admitida excepcionalmente, e desde que formalmente justificado:

Art. 41. No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente:

I – indicar uma ou mais marcas ou modelos, desde que formalmente justificado, nas seguintes hipóteses:

a) em decorrência da necessidade de padronização do objeto;

b) em decorrência da necessidade de manter a compatibilidade com plataformas e padrões já adotados pela Administração;

c) quando determinada marca ou modelo comercializados por mais de um fornecedor forem os únicos capazes de atender às necessidades do contratante;

d) quando a descrição do objeto a ser licitado puder ser mais bem compreendida pela identificação de determinada marca ou determinado modelo aptos a servir apenas como referência;

As hipóteses contempladas em geral vinculam-se às situações de padronização do objeto pretendido (incisos I, e II), o que guarda razoabilidade, diante do prévio e fundamentado entendimento de que a administração deve seguir determinado padrão em suas aquisições.

Admite-se também a indicação da marca quando diante de um único produto capaz de satisfazer as necessidades da administração, em que pese comercializado por diversos fornecedores. Nesse caso, por ser o produto único, obviamente a indicação da marca ou modelo não compromete a igualdade e a competitividade.

Por fim, é permitido a indicação de marca ou modelo para auxiliar e facilitar a compreensão do que se pretende adquirir, servindo apenas de referência para a disputa. São casos em que o mercado, por razões diversas, identifica o produto mais facilmente pela marca ou modelo, do que pelo nome do próprio produto. Exemplos dessa situação são o Bombril, marca de palha de aço das mais conhecidas, que ao menos nas últimas décadas dominou o mercado; o Danone, marca de iogurte, que também lidera as vendas no setor; e a caneta Bic, que dispensa comentários.

Nesses casos, a administração poderá indicar a marca ou modelo, porém não poderá exigir o oferecimento desses bens nas propostas. A marca ou modelo são apenas referenciais (as regras do artigo 42, pelo qual se estabelece mecanismos de prova de qualidade dos produtos ofertados como similares das marcas eventualmente indicadas).

Vedação de Marca ou Produto

Além de autorizar, excepcionalmente, que se indique marca ou modelo no processo licitatório, a Lei 14.133/21, também em caráter excepcional, admite que se estabeleça a vedação de contratação de determinada marca ou produto.

Art.41…     

 III – vedar a contratação de marca ou produto, quando, mediante processo administrativo, restar comprovado que produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração não atendem a requisitos indispensáveis ao pleno adimplemento da obrigação contratual;

Não é incomum a reclamação dos usuários de bens adquiridos pelo poder público quanto à sua qualidade. Também é habitual verificar a dificuldade de se eliminar das disputas licitatórias esses produtos, posto que formalmente atendem às especificações editalícias.

Doravante, apresenta-se à disposição da administração esse mecanismo excepcional de exclusão, a ser efetivado mediante processo administrativo próprio, e decisão fundamentada.

De se destacar que a exclusão não será do licitante que tiver oferecido o produto, mas do bem em si, o que, pela peculiaridade apresenta alguns questionamentos.

Primeiro, temos que o produtor, o detentor da marca ou produto criticado, reputado inadequado, não necessariamente será o contratado pela administração, ou com ela se relaciona. Parece-nos que na maioria das vezes o contratado será um estabelecimento comercial que negocia o bem produzido por terceiro. No entanto, sob o prisma de eventual exclusão do produto, o processo de investigação não acontece em face do fornecedor, mas sim em face do produtor, do detentor da marca ou produto. Isso deve ficar bastante claro, e deve ser considerado no processo administrativo de investigação. Em suma, a ampla defesa e contraditório a serem garantidos em um processo da espécie, deve considerar necessariamente quem será o investigado e figurará como responsável e destinatário de direitos.

De outra banda, se há a conclusão de que o bem ofertado não satisfaz as necessidades, além de excluí-lo, surge a necessidade de responsabilizar o contratado, o fornecedor, que ao final das contas terá descumprido suas obrigações contratuais, não tendo entregue produto adequado e compatível com o ajustado. Aqui, o destinatário do processo de investigação, e eventual sanção, será sim o fornecedor, sendo-lhe garantidos os direitos à ampla defesa e ao contraditório.

Amostra e Prova de Conceito

A definição da administração quanto à exigência de amostras ou de prova de conceito se faz durante a fase preparatória do procedimento. Para optar por exigir que os licitantes as apresentem, deve o poder público ter em mente em geral o fato da impossibilidade de definição do padrão que pretende contratar por intermédio de mera identificação hipotética do que o licitante apresentará em sua proposta, exigindo verificação dos produtos oferecidos.

Temos, então, que na esmagadora maioria das licitações, o descritivo do edital e de seus anexos, destacadamente o termo de referência, será suficiente para descrever o que se pretende, e para os licitantes oferecerem suas propostas.

Daí a excepcionalidade da possibilidade de se solicitar a apresentação de amostras ou de se exigir prova de conceito, nos termos estabelecidos do artigo 41, II da lei 14.133/21:

Art. 41. No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente:…

II – exigir amostra ou prova de conceito do bem no procedimento de pré-qualificação permanente, na fase de julgamento das propostas ou de lances, ou no período de vigência do contrato ou da ata de registro de preços, desde que previsto no edital da licitação e justificada a necessidade de sua apresentação….

Parágrafo único. A exigência prevista no inciso II do caput deste artigo restringir-se-á ao licitante provisoriamente vencedor quando realizada na fase de julgamento das propostas ou de lances.

Optando por solicitar excepcionalmente a apresentação de amostras, ou realizar prova de conceito, o instrumento convocatório é o local adequado para a indicação desse fato (art. 18, parágrafo 3º), fixando a obrigação ao licitante vencedor da disputa, que deverá apresentar um exemplar do objeto a ser ofertado se contratado (amostra), ou realizar demonstração do produto pretendido (prova de conceito), para que se possa, diante de critérios objetivos e claros definidos no edital, avaliar se satisfazem aos padrões definidos e pretendidos pela administração.

Amostras, para fins de licitação, são os exemplares que os licitantes oferecem durante o decorrer do certame com o objetivo de demonstrar que seus produtos satisfazem às especificações exigidas pelo edital.

Prova de conceito, também conhecida pelo mercado como PoC, do inglês proof of concept, é o termo utilizado para a demonstração prática de um conceito teórico, muito comum no universo de Tecnologia da Informação (TI). Na prova de conceito emprega-se teste para validar se o produto é ou não satisfatório.

São, portanto, duas formas disseminadas de aferir compatibilidade.

Em todas as modalidades licitatórias utilizáveis para as compras de bens admite-se a exigência de apresentação de amostras ou de prova de conceito, sem exceção, sendo permitido quando do julgamento pelo menor preço, pois não é vedado à administração buscar qualidade mínima para o objeto almejado.

A questão da exigência de amostras e prova de conceito tem merecido maior destaque na modalidade licitatória pregão, por trazer em seu bojo uma indagação anterior, qual seja, a de saber se é possível exigir qualidade dos produtos e serviços cotados, e se será possível desclassificar as propostas que não atendam às condições definidas (na verdade, exige-se amostras dos produtos para isso, para comprovar a conformidade das propostas com as exigências editalícias).

A discussão é oportuna nesse momento, pois será ao aferir a conformidade das propostas que o pregoeiro poderá analisar essas questões, se admitidas pelo edital do pregão.

Assim, não temos dúvidas em responder afirmativamente a essa indagação. Com efeito, a licitação na modalidade pregão será julgada em regra pelo critério de menor preço, o que não elimina a possibilidade de a administração definir os critérios de qualidade que pretende para o bem ou serviço que irá no futuro contratar.

O artigo 34 da Lei 14.133/21 espanca qualquer dúvida quanto a essa possibilidade de exigência, ao estabelecer que o julgamento pelo menor preço (dentre outros), observará as especificações técnicas e parâmetros mínimos de desempenho e qualidade definidos pelo edital.

Com isso, a lei admite expressamente a verificação da qualidade do objeto ofertado, podendo a descrição do objeto atentar para esse aspecto, sendo o momento da sua verificação exatamente este, o destinado à análise da conformidade da proposta com as exigências editalícias.

Trata-se a amostra/prova de conceito de elementos integrantes da proposta. Com estas exigências, objetiva a administração verificar que os licitantes possuem o objeto nos moldes realmente pretendidos, averiguando, assim, se as propostas apresentadas encontram-se em conformidade com as exigências editalícias.

O fato do vencedor ser aquele que ofertar o menor preço não impede a administração de buscar produtos, serviços e obras de qualidade, alcançada com a adoção de cautelas na confecção do ato convocatório. A vinculação ao julgamento pelo menor preço não é óbice para a busca da qualidade, da durabilidade dos bens, etc.

Quanto à possibilidade de se exigirem amostras e prova de conceito dos produtos que se pretende adquirir, como já asseverado, é perfeitamente factível também no pregão. Não há a nosso ver nenhuma incongruência entre essa exigência, e sua necessária análise, com a característica de celeridade do certame.

Deve-se, contudo, atentar para o fato de que a análise das amostras e prova de conceito, via de regra, requerem a intervenção de pessoa especializada, e muitas vezes demanda tempo e espaço, de modo que o edital deve contemplar regras suficientemente aptas a compatibilizar essa análise com as notas características da modalidade licitatória utilizada.

Sabemos que a apreciação de amostras e realização de prova de conceito não é tarefa das mais fáceis, sendo a melhor forma apreciá-las em momento externo à sessão de julgamento, o que é possível, via de regra, em face do rito estabelecido pelo artigo 17 da Lei 14.133/21 (lembre-se: esse rito vale tanto para o pregão, quanto para a concorrência).

Com efeito, estabelece o artigo 41, parágrafo único que a exigência de amostra ou prova de conceito restringir-se-á ao licitante provisoriamente vencedor quando realizada na fase de julgamento das propostas ou de lances. Parece-nos acertado, posto que essa investigação é uma etapa vinculada efetiva e umbilicalmente às propostas comerciais dos licitantes, de modo que será este o momento em que o edital deve dispor sobre o procedimento a ser percorrido para a aferir se os bens ofertados satisfazem as exigências do objeto definido no edital (recorde-se: em regra a definição do objeto pelo edital e anexos é suficiente para elaboração das propostas e depois para o seu julgamento, com a verificação da adequação do bem ofertado ao que se exigiu. Ao se pedir apresentação de amostras ou realização de prova de conceito, o poder público apenas está dizendo que precisa de mais elementos para fazer essa mesma aferição).

Assim suspender-se-á a sessão de julgamento e solicitará ao licitante com melhor proposta que apresente o bem para análise de amostra ou realização de prova de conceito, sendo processadas de acordo com as regras editalícias.

Retornando à regra legal comentada nesse tópico, verifica-se a possibilidade de se exigir amostras ou prova de conceito em outros momentos que não apenas no processo licitatório, na fase de julgamento das propostas até agora comentada.

Assim, poderão ser solicitadas também no procedimento de pré-qualificação permanente, … ou no período de vigência do contrato ou da ata de registro de preços, valendo a essas situações todos os comentários até aqui apresentados.

Carta de Solidariedade

A Lei 14.133/21 admite excepcionalmente que se solicite, de forma motivada, carta de solidariedade emitida pelo fabricante.

Art. 41. No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente:…

IV – solicitar, motivadamente, carta de solidariedade emitida pelo fabricante, que assegure a execução do contrato, no caso de licitante revendedor ou distribuidor.

A autorização da exigência supera barreira importante que vinha sendo mantida por diversos entendimentos sobre o tema.

Na esfera do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, por exemplo, vige a Súmula 15 com seguinte teor:

Em procedimento licitatório, é vedada a exigência de qualquer documento que configure compromisso de terceiro alheio à disputa. (Deliberação TCA 29.268/026/05, publicada no DOE de 21 de dezembro de 2005)

Um dos fundamentos teóricos dessa súmula, e por sua vez do entendimento de que a carta de solidariedade não era devida, reside exatamente no fato de que a licitação se faz apreciando as condições de participação do licitante e não de terceiros estranhos à disputa.

Admitir tal comprovação, especialmente na fase de habilitação, sob essa ótica do Tribunal Bandeirante, importaria em descaracterizar a fase, não se permitindo saber ao certo se o interessado diretamente no ajuste congregaria as atribuições mínimas necessárias para sua execução.

Outro fundamento da súmula parece-nos ser encontrado no artigo 30, parágrafo 6º, da Lei 8.666/93:

Art. 30 …

  • 6º As exigências mínimas relativas a instalações de canteiros, máquinas, equipamentos e pessoal técnico especializado, considerados essenciais para o cumprimento do objeto da licitação, serão atendidas mediante a apresentação de relação explícita e da declaração formal da sua disponibilidade, sob as penas cabíveis, vedada as exigências de propriedade e de localização prévia.

         Doravante, superando a discussão, que fica relegada a segundo plano, passa a ser expressamente possível a exigência, que de certo ficará vinculada à fase de proposta, onde melhor se encaixa, posto que atrelada obviamente ao bem oferecido.

Com isso, a administração poderá solicitar, quando o licitante for revendedor ou distribuidor, que este apresente carta do fabricante que assegure a execução do contrato.

Prova de Qualidade

Nas situações em que se indicar marca ou modelo, nos termos do artigo 41, I, “d”, antes comentado os bens apresentados como similar ao paradigma, terão sua prova de qualidade verificada por um dos meios previstos no artigo 42:

Art. 42. A prova de qualidade de produto apresentado pelos proponentes como similar ao das marcas eventualmente indicadas no edital será admitida por qualquer um dos seguintes meios:

I – comprovação de que o produto está de acordo com as normas técnicas determinadas pelos órgãos oficiais competentes, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ou por outra entidade credenciada pelo Inmetro;

II – declaração de atendimento satisfatório emitida por outro órgão ou entidade de nível federativo equivalente ou superior que tenha adquirido o produto;

III – certificação, certificado, laudo laboratorial ou documento similar que possibilite a aferição da qualidade e da conformidade do produto ou do processo de fabricação, inclusive sob o aspecto ambiental, emitido por instituição oficial competente ou por entidade credenciada.

  • 1º O edital poderá exigir, como condição de aceitabilidade da proposta, certificação de qualidade do produto por instituição credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro).

  • 2º A Administração poderá, nos termos do edital de licitação, oferecer protótipo do objeto pretendido e exigir, na fase de julgamento das propostas, amostras do licitante provisoriamente vencedor, para atender a diligência ou, após o julgamento, como condição para firmar contrato.

  • 3º No interesse da Administração, as amostras a que se refere o § 2º deste artigo poderão ser examinadas por instituição com reputação ético-profissional na especialidade do objeto, previamente indicada no edital.

Locação X Compra

Concluindo os comentários acerca das regras referentes às compras, surge a necessidade de discorrer sobre importante norma estabelecida pelo artigo 44 da Lei 14.133/21:

Art. 44. Quando houver a possibilidade de compra ou de locação de bens, o estudo técnico preliminar deverá considerar os custos e os benefícios de cada opção, com indicação da alternativa mais vantajosa.

Cada vez mais o gestor público se depara com esse dilema: comprar ou locar determinado bem? O que é mais vantajoso?

Por vezes no momento da escolha fica refém da ausência de elementos concretos para definir e decidir, seguindo caminhos que depois ficam suscetíveis a críticas e a questionamentos de diversas ordens, inclusive no âmbito judicial.

O estudo técnico preliminar, que considerará os custos e os benefícios de cada opção, permitirá que a escolha seja feita de forma a melhor satisfazer o interesse público, com maior segurança, minimizando as chances de erro.

[1] Nesse sentido a Medida Provisória 961/20 que autorizou o pagamento antecipado para compras para combater o COVID 19 em situações excepcionais, tornando imprescindíveis a adoção de cautelas como: a. ser a antecipação condição para o negócio; b. gerar a antecipação economia de recursos; c. prever a antecipação no edital ou no processo da dispensa; d. exigir a devolução integral do valor no caso de inexecução.

Também mais recentemente a Lei Nº 14.124, de 10 de março de 2021.

[2] Anote-se que até a edição da Lei 10.520/2002 (Lei do Pregão) o registro de preços processava-se apenas por intermédio de concorrência, podendo hoje ser feito também pelo pre­gão, ao teor do que estabelece o artigo 11: “As compras e contratações de bens e serviços co­muns, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, quando efetuadas pelo sistema de registro de preços previsto no art. 15 da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, poderão adotar a modalidade de pregão, conforme regulamento específico”.

[3] Ata de Registro de Preços, BLC, fevereiro/1998, p.79.

[4] Licitação e contrato administrativo, p. 58-9.

[5] Inexigibilidade de licitação: aquisição de bens e serviços que podem ser fornecidos ou prestados por determinado agente econômico. RDP 100/29.

[6] Curso de Direito Administrativo, 5ª ed. Ed. Malheiros, p. 275.

[7] Licitação e padronização, BLC – nov.93

[8] Padronização Escolha de marca. Inexigibilidade de licitação, BLC maio 96.



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