PARECER n. 00002/2021/CNMLC/CGU/AGU

NUP: 00688.000716/2019-43
INTERESSADOS: DECOR
ASSUNTOS: LICITAÇÕES E OUTROS


EMENTA: I – Análise jurídica de condicionamentos e requisitos para possibilidade de utilização da Lei nº14.133/21 como fundamento para embasar licitações e/ou contratações. Necessidade de traçar um panorama de eficácia da lei para priorização dos modelos a serem elaborados e do cronograma para tanto.
II – A divulgação dos contratos e dos editais no Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP não pode ser substituída pelo DOU, sítio eletrônico do órgão ou outro meio de divulgação, sendo obrigatório, portanto, o PNCP;
III – O art. 70, II abre a possibilidade de registros cadastrais não-unificados para fins de substituição da documentação de habilitação;
IV – A implementação das medidas previstas no art. 19 da nova lei, incluindo os modelos, não é pré-requisito para que haja contratações pelo novo regramento, muito menos exige-se ônus argumentativo adicional para contratar-se antes de finalizadas tais medidas. Essa conclusão não aborda a eventual obrigatoriedade de uso de instrumentos que efetivamente existam;
V – Os arts. 7º, 11, parágrafo único e 169, §1º são consideradas como medidas preferenciais antes de proceder às contratações: recomenda-se que o gestor se prepare, iniciando gestão por competências/processos de controle interno antes de iniciar a aplicação da nova lei, sem prejuízo de, justificadamente, fazer contratações antes disso;
VI – O regulamento do art. 8º, §3º é necessário para a atuação do agente ou da comissão de contratação, equipe de apoio, fiscais e gestores contratuais. Como toda licitação necessita de agente/comissão de contratação e todo contrato de fiscal/gestor, isso implica, na prática, a impossibilidade de licitar ou contratar até que as condutas dos agentes respectivos sejam regulamentadas na forma do artigo em questão.
VII – É necessária a regulamentação de pesquisas de preços, tanto em geral quanto especificamente para obras e serviços de engenharia, para que elas sejam feitas com fundamento na nova lei;
VIII – A regulamentação da modalidade de Leilão e dos modos de disputa da Concorrência e do Pregão é necessária para o seu uso.
IX – Para o uso do SRP, é necessária a sua regulamentação, seja em geral, seja quando resultante de contratação direta;
X – É possível contratar sem a regulamentação do modelo de gestão do contrato, caso em que o próprio instrumento contratual deverá desenhar o modelo que seja adequado ao caso. Ainda assim, é recomendável
que, nos casos de contratação com mão-de-obra, utilize-se de procedimentos de fiscalização trabalhista adequados à lei, análogos à IN 5/2017, por exemplo.
XI – Nos dois anos a que se refere o art. 191,
o gestor poderá eleger se em determinada contratação se valerá dos comandos da Lei nº 8.666/93, da Lei n.º 10.520/2002 e dos artigos 1º a 47-A da Lei n.º 12.462/2011, inclusive subsidiariamente, ou se adotará a Lei n.º 14.133/2021, inclusive subsidiariamente, nos termos do art. 189;
XII – Em qualquer caso, é vedada a combinação entre a Lei nº 14.133/21 e as Leis 8.666/93, 10.520/2002 e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011, conforme parte final do art. 191;
XIII – Não é possível a recepção de regulamentos das leis nº 8.666/93, 10.520/02 ou 12.462/11 para a Lei nº14.133/21, enquanto todas essas leis permanecerem em vigor, independentemente de compatibilidade de mérito, ressalvada a possibilidade de emissão de ato normativo, pela autoridade competente, ratificando o uso do regulamento para contratações sob a égide da nova legislação.

  1. RELATÓRIO
  2. Trata-se, em suma, de manifestação jurídica emitida com o fito de esclarecer os pontos que possam impedir a plena eficácia e aplicabilidade da Lei nº 14.133/21, com vistas a subsidiar a elaboração de modelos já com base no novo regramento, em especial quanto à priorização de documentos e do cronograma a ser adotado. A análise centra-se, em regra, na possibilidade de uso da nova lei para licitar ou contratar, não abrangendo, salvo se disposto expressamente no parecer, sobre atos de outra natureza (ex:crimes).


2.O presente parecer foi elaborado com base na seguinte metodologia: no dia 9 de abril, houve a distribuição de artigos da lei aos componentes desta Câmara, para que cada um, de forma redundante, elencasse todos os dispositivos que pudessem ter menção a condicionantes quaisquer à sua eficácia – condições essas que poderiam ser regulamentos em sentido estrito (decretos), atos normativos de outra natureza ou outros requisitos.

3.Após, em duas sessões de deliberação, nos dias 22 e 29 de abril, cada um dos pontos foi debatido e submetido à votação, seguindo as regras da Portaria CGU nº 3/2019, alterada pela Portaria CGU nº 8/2020. As conclusões das votações constam do TERMO DE REUNIÃO n. 00003/2021/CNMLC/CGU/AGU, Seq. 420 deste processo e são a premissa inafastável da fundamentação trazida neste opinativo, ressalvada a necessidade de aprovação, conforme o caso, pelas autoridades superiores.


  1. Saliente-se, por fim, que esta manifestação abordará as questões em que haja configuração de condicionante a todas ou algumas licitações/contratações, bem como alguns pontos que não representam pré-requisito, na medida em que se entenda serem relevantes.


5.Feitos esses esclarecimentos iniciais, passa-se à análise jurídica da questão.


2.ANÁLISE JURÍDICA


2.1Considerações Iniciais


6.A Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, instituiu normas de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (artigo 1º), tendo entrado em vigor nadata da sua publicação, conforme artigo 194. Este novo diploma visa a substituir o regime de contratações públicas previsto nas Leis nº8.666/93, 10.520/2002 e 12.462/2011 (vide artigo 193 da Lei nº 14.133/2021).


7.O fato de a lei já estar em vigor, como atesta o artigo 194, não implica inexoravelmente sua eficácia.


8.Celso Antônio Bandeira de Mello e[1]sclarece que “Eficácia, então, é a situação de disponibilidade para a produçãodos efeitos típicos, próprios”.


9.No mesmo sentido, Aurora Tomazini de Carvalho [2]esclarece que:
A palavra eficácia, no âmbito jurídico, está relacionada à produção de efeitos normativos, isto é, à efetiva irradiação das consequências próprias à norma. Muitos juristas a utilizam como sinônimo de vigência, denotando a qualidade da norma de produzir efeitos, mas, vigência e eficácia não se confundem. Uma coisa é a norma estar apta a produzir as consequências que lhe são próprias, outra coisa é a produção destas consequências. Existem regras jurídicas que gozam de tal aptidão, mas efetivamente não produzem qualquer efeito na ordem do direito, nem na ordem social, porque não incidem, ou porque não são cumpridas por seus destinatários.

  1. Outrossim, oportuno citar as lições de Paulo de Barros Carvalho no que concerne à eficácia normativa, que pode sera partada em i) eficácia técnica, que é a qualidade que a norma ostenta, no sentido de descrever fatos que, uma vez ocorridos, tenham aptidão de irradiar efeitos jurídicos, já removidos os obstáculos materiais ou as impossibilidades sintáticas; ii) a eficácia jurídica, que é o predicado dos fatos jurídicos de desencadearem as consequências que o ordenamento prevê; e iii) a eficácia social, como a produção concreta de resultados na ordem dos fatos sociais. Os dois primeiros enfoques são jurídicos, ao passo que o último interessa à Sociologia Jurídica, estando fora, pois, da abrangência da Ciência do Direito.
  2. Assim, apesar de uma lei ter aptidão para, em tese, produzir seus efeitos (vigência), ela pode, eventualmente, não os produzir em efetivo. Duas razões essencialmente devem ser consideradas neste caso: a primeira é a não verificação de causalidade normativa (não há fatos aptos à subsunção da norma), havendo, pois, uma ineficácia jurídica, e a segunda é porque existem obstáculos materiais, como a ausência de regulamentação ou a existência de outras normas que obstam sua aplicação (uma ineficácia técnica).
  3. Deste modo, tendo em vista que a vigência de uma lei não se confunde necessariamente com sua eficácia, cabe investigar se, apesar de estar em vigor, a novel legislação sobre licitações também já figura como eficaz jurídica e tecnicamente.
  4. O diploma legislativo em comento discorre em inúmeras passagens acerca da necessidade de edição de regulamentos para que se instrumentalize a sua aplicação plena. Vamos a eles.


2.2Do Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP[3]


14.Dentre as previsões normativas que dependem de uma regulamentação para que possa haver a sua correta aplicação, a que ganha maior destaque é a do artigo 94, que prescreve que “a divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é condição indispensável para a eficácia do contrato e de seus aditamentos e deverá ocorrer nos seguintes prazos, contados da data de sua assinatura”.


  1. Para que os contratos administrativos firmados sob a égide do novo diploma legislativo possam ter eficácia, ou seja, sejam capazes de produzir os efeitos para os quais foram firmados, é imprescindível a divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP). Ocorre que referido Portal, apesar de previsto na Lei nº 14.133/2021 em seus artigos 174 a 176, ainda não foi implementado, carecendo, não apenas de regulamentação, mas de efetiva concretização, por meio de uma plataforma digital que ainda não foi criada.

  2. Veja que a necessidade de divulgação no PNCP veicula regra específica, expressa e direta, que condiciona a eficácia dos contratos. A legislação não estipulou a divulgação no referido portal como sendo uma faculdade ou somente mais um meio adicional de conferir maior publicidade.
    14/06/2021 https://sapiens.agu.gov.br/documento/649532021 

  3. O papel primordial do PNCP para fins de divulgação resta claro quando se analisa o artigo 54, § 2º, que permite que a divulgação em outros meios ocorra de maneira facultativa e adicional ao PNCP (não o inverso). Confira-se:
    Art. 54. […]
    § 2º É facultada a divulgação adicional e a manutenção do inteiro teor do edital e de seus anexos em sítio eletrônico oficial do ente federativo do órgão ou entidade responsável pela licitação ou, no caso de consórcio público, do ente de maior nível entre eles, admitida, ainda, a divulgação direta a interessados devidamente cadastrados para esse fim.
  4. Mesmo a recente derrubada[4]do veto ao art. 54, §1º[5]não modificou tal conclusão. Referido dispositivo aplica-se “sem prejuízo do disposto no caput” (caput esse que trata justamente da divulgação no PNCP), de modo que a divulgação em jornal de grande circulação é requisito de publicidade cumulativo e não alternativo – sua realização não afeta a obrigação autônoma de inserção no PNCP e as decorrências de tal previsão, tratadas neste parecer.

  5. A referida lei deve ser interpretada, no que tange à implementação do PNCP, como uma norma de eficácia limitada, ou seja, aquela que, para que possa produzir todos os seus efeitos, depende de complementação normativa.


20.A classificação de normas de eficácia limitada, desenvolvida no Brasil por José Afonso da Silva, vocacionada para análise das normas constitucionais, também se aplica para as normas infraconstitucionais. No caso, normas de eficácia limitada seriam aquelas que dependeriam de uma regulamentação posterior para sua eficácia plena.


21.Nas palavras de José Afonso da Silva[6], tais normas são aquelas “através das quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei”.


22.É justamente pela existência de normas de eficácia limitada, que dependam de complementação
[7], que o ordenamento jurídico previu os instrumentos da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e do mandado de injunção como mecanismos, visando a suprir a inércia dos agentes públicos na complementação normativa. No caso em tela, portanto, vislumbra-se que há um obstáculo material para que as normas relacionadas à contratação administrativa possuam eficácia técnica, já que carecem da regulamentação e funcionamento do PNCP.


23.Afinal, como explica Aurora Tomazini de Carvalho[8], “uma norma jurídica é tecnicamente eficaz quando presentes, no ordenamento, todas as condições operacionais que garantem sua aplicação, ou exigibilidade. A falta destas condições gera a ineficácia da norma, não podendo mais ser ela aplicada ou exigida até que a situação ideal se restabeleça”.


24.Prossegue a autora[9] ilustrando que há ineficácia técnica sintática quando a norma não pode produzir seus efeitos, seja pela existência no ordenamento de outra norma inibidora de sua incidência ou, ainda, pela falta de outras regras regulamentadoras, de igual ou inferior hierarquia.


25.Assim, a ausência de norma regulamentadora do PNCP faz com que a Lei nº 14.133/2021 seja, em parte, tecnicamente ineficaz.


26.Embora haja vozes dissonantes, entendendo que a ausência de regulamentação ou funcionamento do PNCP não pode servir como obstáculo para a aplicação plena da referida legislação, não parece ser essa a melhor interpretação normativa.


27.É possível verificar[10]a sustentação de três razões para autorizar a aplicação imediata da nova Lei, independentemente da normatização do PNCP: Primeira, porque o art. 194 determina que a Lei entra em vigor na data de sua publicação, o que ocorreu no dia 1º de abril de 2021;Segunda
, porque o art. 1º do Decreto-Lei nº 4.657/1942 estabelece que “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”;
Terceira, a eficácia de uma norma somente pode ser limitada ou contida mediante disposição expressa – ou, como defendem alguns, no mínimo implícita.


28.Quanto às duas primeiras razões, conforme já mencionado, não se mostram como suficientemente hábeis a autorizar a aplicação imediata da lei, uma vez que estes itens simplesmente indicam que a lei se encontra vigente, mas não implica dizer que todos os seus artigos são eficazes. Vigência não se confunde com eficácia.


29.Em relação ao item 3, quanto à limitação da eficácia da lei necessitar ser no mínimo implícita, vislumbra-se que há sim essa restrição. Quando a Lei condiciona a eficácia de contratos à divulgação em um Portal que ainda não se encontra operável, há, por certo, uma limitação implícita da aplicação legislativa. Trata-se aqui de um exercício lógico-jurídico. Se para “X” ser aplicado, necessita ser criado Y, logo, enquanto Y não existe, X não pode ser aplicado.


30.O mesmo artigo acrescenta que a função de divulgação do PNCP poderia ser suprida “sem qualquer prejuízo de publicidade, pelo sistema de publicidade oficial dos atos administrativos. Normalmente a publicação em Diário Oficial. A publicidade dos atos relativos a licitações e contratos pode e deve ocorrer também por meio dos sítios eletrônicos oficiais – para conferir eficiência às publicações. O relevante e de interesse público é que ocorra contratos – cumprindo o princípio constitucional da publicidade”.


31.Apesar da relevância do argumento esposado, parece haver nele uma tentativa de substituição da atividade legislativa. A exigência de divulgação no PNCP não figura como norma de caráter principiológico, que visa a alcançar uma finalidade, sem indicar os meios. É, em realidade, uma regra jurídica, que justamente figura como instrumento necessário, na avaliação do legislador, para que haja o correto alcance da finalidade principiológica (dentre outras, a publicidade). Assim, não cabe o afastamento da regra jurídica[11], ao argumento de que a publicidade poderia ser alcançada por outros meios, a não ser que se repute a regra inconstitucional, o que não parece ser o caso.


32.Além disso, permitir que a publicação e divulgação ocorra nos moldes da antiga Lei nº 8.666/93, enquanto não advém o PNCP, incorreria em violação expressa ao artigo 191 da Lei nº 14.133, que veda a aplicação combinada de ambas as leis[12].


33.Vale salientar, outrossim, que mesmo a utilização do art. 54, §1º, cujo veto foi recentemente superado pelo Congresso Nacional, como publicidade “suficiente”, sem invocação da Lei nº 8.666/93, também não encontra guarida no sistema jurídico. Como já dito, referido dispositivo é claro ao dissociar a divulgação no PNCP da feita em jornais de grande circulação, pelo uso da expressão “sem prejuízo do disposto no caput”. Isso denota que a publicidade desejada pela lei, mediante regra que espelha um sopesamento de valores já feito pelo legislador[13], é a obtida com a junção da publicação em ambos os veículos e não apenas em um.


34.Acrescente-se que a ausência de previsão de um regime provisório de aplicação da nova Lei enquanto não estiver em funcionamento o PNCP não figura como uma omissão impensada do legislador. Veja-se que, em relação aos Municípios com até 20mil habitantes, o artigo 176, parágrafo único autoriza que, enquanto não adotarem o PNCP, realizem a divulgação e manutenção dos processos administrativos de outra forma[14]. Nesse dispositivo, o uso do jornal de grande circulação se dá “enquanto não adotado oPNCP” e não “sem prejuízo deste” o que representa importante modificação de abordagem.


35.O que se quer apontar é que, ao não prever uma alternativa para a ausência do PNCP, diferente do que fez em relação aos Municípios com até 20 mil habitantes, o legislador intencionalmente não permitiu a adoção de outro mecanismo, havendo aqui um “silêncio eloquente”.


36.Na mesma toada, a Lei permite em algumas passagens que certas práticas e/ou instrumentos jurídicos sejam usados de maneira preferencial, podendo haver a sua não utilização, caso haja a devida justificativa. É o que se nota, por exemplo, da previsão do artigo 75, §3º, que assenta que “as contratações de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo serão preferencialmente precedidas de divulgação de aviso em sítio eletrônico oficial, pelo prazo mínimo de 3 (três) dias úteis, com a especificação do objeto pretendido e com a manifestação de interesse da Administração em obter propostas adicionais de eventuais interessados, devendo ser selecionada a proposta mais vantajosa”.


  1. Assim sendo, o legislador poderia, seguindo a técnica realizada em outras passagens, ter indicado que a utilização do PNCP fosse feita preferencialmente. Optou, porém, em não conferir qualquer tipo de abertura quanto à sua utilização ou não, tendo prescrito de maneira cogente o dever de seu uso, sob pena de ineficácia dos contratos firmados. Não há vocábulo algum no artigo 94que confira abertura semântica para que se interprete a utilização do PNCP como uma faculdade. Pelo contrário, o legislador inseriu o adjetivo “indispensável”, de modo a espancar qualquer dúvida acerca da sua obrigatoriedade para fins de eficácia contratual.

  2. Muito embora possa haver maior abertura dos textos jurídicos, o que permite que o Direito permaneça em conexão com o mundo dos fatos, essa abertura não é absoluta, uma vez que qualquer intérprete sempre estará permanentemente atado pelos enunciados. Rompendo-se essa retenção ao texto, resultará na sua subversão[15]. O texto, portanto, ao lado das pré-compreensões, mostra-se como um dos principais limites contra subjetivismos na interpretação jurídica[16].


39.Quer-se com isso indicar que, ainda que se possa concluir não ter sido a melhor escolha vincular de maneira tão fechada a eficácia dos contratos administrativos ao PNCP, ou ainda não ter previsto um período de vacatio legis para a referida Lei enquanto se organizava a efetiva implementação do PNCP, não se pode desprezar essa escolha legislativa, substituindo o texto normativo por juízos particulares e de cunho metajurídico.


40.Deve-se recordar ainda que a impossibilidade de aplicação da nova legislação, enquanto não advier a regulamentação do PNCP, não ocasionará um “engessamento”, “apagão” ou vácuo em termos de contratação pública, uma vez que o artigo 191justamente permitiu a coexistência, pelo período de dois anos, da Lei nº 14.133/2021 com as Leis nº 8.666/93, 10.520/2002 e12.462/2011 (este artigo, por certo, encontra-se vigente e eficaz, não havendo nenhuma previsão fático-jurídica que condicione a sua aplicação). Logo, o fato de não se aplicar a novel Lei para os novos contratos a serem firmados não impede que contratos administrativos sejam pactuados à luz da legislação anterior.


41.Outrossim, calha acrescer, por exemplo, que a Procuradoria-Geral do Estado do Paraná, por meio da Resolução nº056/2021-PGE[17], tendo em vista, dentre outros motivos, a necessidade de regulamentação da Lei nº 14.133/2021 e a ausência de construção do PNCP pela União até o momento, orientou seus órgãos assessorados a não realizarem certames com fundamento na nova Lei de Licitações, até que haja a sua devida regulamentação.


42.Em suma, tendo em vista que a) a Lei nº 14.133/2021, em seu artigo 94, condiciona a eficácia dos contratos administrativos à sua indispensável publicação no PNCP; b) que o PNCP não se encontra regulamentado e nem em funcionamento; c)que o artigo 94 constitui uma regra jurídica; d) que o legislador não conferiu outros instrumentos aptos a substituir o PNCP; e) que alei poderia prever exceções (como o fez no art. 176, parágrafo único para municípios pequenos) sendo a ausência delas neste caso uma omissão relevante; f) que, nos termos do artigo 191, é vedada a combinação da nova Lei com as Leis nº 8.666/93, 10.520/2002 e12.462/2011; g) que o art. 54, §1º trouxe um requisito cumulativo e não alternativo de publicidade, de modo que não afeta a necessidade de divulgação no PNCP; h) que a não aplicação da nova Lei não acarretará nenhum prejuízo ao gestor ou ao interesse público, uma vez que o artigo 193 permite que a contratação possa ser efetuada seguindo os trâmites das Leis nº 8.666/93, 10.520/2002e 12.462/2011, conclui-se que, no que tange à realização das licitações e consequentes contratos administrativos, enquanto não estiverem funcionamento o PNCP, a Lei nº 14.133/2021 não possui eficácia técnica, não sendo possível sua aplicação.

2.3Da possibilidade de uso do Registros Cadastrais não-unificados para os fins do art. 70, II, da nova lei


43.Quando da implementação do PNCP que, conforme buscamos demonstrar no tópico supra, é requisito indispensável para a realização das contratações sob a égide da Lei nº 14.133, de 2021, outro ponto que se coloca é a necessidade (ou não) da efetivação do registro cadastral unificado, que deverá estar disponível no PNCP, para cadastramento dos licitantes.


44.O artigo 87 da nova lei estabelece:
Art. 87. Para os fins desta Lei, os órgãos e entidades da Administração Pública deverão utilizar o sistema de registro cadastral unificado disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), para efeito de cadastro unificado de licitantes, na forma disposta em regulamento.


45.A lei estabelece que os licitantes serão catalogados em um registro cadastral unificado, disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP, nos termos de regulamento a ser editado. Assim, o registro cadastral unificado é uma funcionalidade dentro do PNCP.


46.O registro cadastral é, pois, um procedimento auxiliar conhecido e amplamente utilizado nos certames licitatórios. Tem previsão no artigo 34 da Lei nº 8.666, de 1993, no artigo 31 da Lei nº 12.462, de 2011 (RDC) e no artigo 65 da Lei nº 13.303, de2016 (Lei das Estatais).


47.A funcionalidade dos registros cadastrais é explanada por Ronny Charles[18], nos seguintes termos:
Os registros cadastrais, indicados pelo artigo, são aqueles coordenados pela Administração, que antecipadamente abre a inscrição aos interessados no fornecimento de bens e execuções de obras e serviços, realizando uma espécie de habilitação prévia, em relação a futuros certames, tornando desnecessária nova apresentação de parte da documentação apta a comprovar a habilitação da empresa, quando da realização do posterior procedimento.
O registro cadastral seria uma habilitação prévia, relacionada aos critérios absolutos (que são mais estáveis, mesmo com a alteração da pretensão contratual disputada, como: habilitação jurídica, regularidade fiscal e qualificação econômica). O registro cadastral simplifica o procedimento para a Administração e diminui os riscos para os particulares, visto que, diferentemente da habilitação no processo licitatório, quando da inscrição no registro cadastral, vícios na documentação poderão ser corrigidos pela empresa, sem os perigos da exclusão do certame.


48.Desta forma, o registro cadastral é um repositório de dados dos interessados em contratar com a Administração, que submetem, previamente à gestora do cadastro, os documentos habilitatórios previstos em lei, para serem utilizados quando da realização de uma licitação posterior, independentemente, pois, da participação imediata em um específico certame.


49.É importante esclarecer que não existe apenas um registro cadastral, mas vários. Como exemplo, temos o CAUFESP[19], o CAGEF-MG[20], o CADFOR-MA[21] e tantos outros. O SICAF – Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores, possivelmente o mais conhecido, é apenas um dos registros cadastrais existentes.


  1. O sistema de registro cadastral unificado, previsto na nova lei, pretende ser um modelo mais amplo e aprimorado do que o SICAF, que cadastra fornecedores para os órgãos e entidades da Administração Pública Federal Direta, autárquica e fundacional.


51.O SICAF é, pois, um sistema que congrega pessoas físicas ou jurídicas que desejem contratar com a Administração Pública Federal, sendo regido pelo Decreto nº 3.722, de 9 de janeiro de 2001. Embora seja voltado à esfera federal, seu uso tem se difundido para os demais entes da federação.


52.Basicamente, o SICAF tem por finalidade cadastrar e habilitar parcialmente interessados em participar de licitações realizadas por órgãos/entidades da Administração Pública Federal.


53.O Tribunal de Contas da União destaca que o cadastramento por meio do SICAF não é obrigatório:
O gestor público deve facultar aos licitantes a possibilidade de sua habilitação no certame ser aferida por meio do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf). No entanto, o cadastro no referido sistema não é condição necessária à habilitação em processo licitatório. (Acórdão nº 199/2016 – Plenário).


54.Aliás, tal entendimento foi consolidado por meio da Súmula TCU nº 274: “É vedada a exigência de prévia inscrição no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAF para efeito de habilitação em licitação”.


55.É interessante notar que o registro cadastral unificado da Lei nº 14.133/21 vai além do SICAF ou dos demais registros não-unificados: ele é nacional, ou seja, não se restringe à esfera federal e serve, não apenas para a habilitação, mas igualmente para avaliar a atuação do contratado[22]na execução das obrigações assumidas, condicionada à regulamentação ulterior do cadastro[23].


56.Vê-se, pois, que o registro cadastral unificado de que trata a lei não é o registro cadastral, mas
um registro cadastral dentre tantos existentes.

57.Dito isso e pela própria redação legal contida no artigo 70, II, a inexistência do registro cadastral unificado não é empecilho para a habilitação prévia de interessados, que poderão se utilizar de outros cadastros já existentes.


58.Veja-se que, embora o artigo 87 da Lei nº 14.133/2021 determine que “os órgãos e entidades da Administração Pública deverão utilizar o sistema de registro cadastral unificado disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP),para efeito de cadastro unificado de licitantes”, isso não impede a coexistência simultânea de outros cadastros oficiais.


59.Tanto isso é verdade que o artigo 70, II, do mesmo diploma, prevê que:
Art. 70. A documentação referida neste Capítulo poderá ser:
II -substituída por registro cadastral emitido por órgão ou entidade pública, desde que previsto no edital e que o registro tenha sido feito em obediência ao disposto nesta Lei;


60.Vê-se, portanto, que a lei admite a possibilidade de que qualquer órgão ou entidade pública crie seu próprio cadastro e, de forma paralela, alimente o registro cadastral unificado, tão logo ele seja criado.


61.Não há – repita-se – uma exclusão dos demais registros cadastrais quando da instituição do registro cadastral unificado, até porque o papel desse último é mais amplo do que os registros que contém apenas os documentos habilitatórios.


62.Sendo assim, a convivência entre vários registros – como, inclusive, ocorre atualmente – se impõe, razão pela qual, havendo previsão editalícia, os documentos habilitatórios podem, no âmbito de cada certame, ser substituídos pela indicação de um dos registros cadastrais próprios não unificados.


63.Dito isso, os processos licitatórios que forem regidos por essa lei, embora dependentes da criação do PNCP, poderão continuar se utilizando dos registros cadastrais próprios não-unificados, por expressa dicção legal (art. 70, II), independentemente da criação da funcionalidade “registro cadastral unificado” dentro do PNCP, desde que previsto no edital e que o registro tenha sido feito em obediência ao disposto na Lei, conforme art. 70, II citado.


2.4 Os instrumentos de governança previstos no art. 19 da Lei.


  1. O art. 19 da Lei nº 14.133/21 traz a seguinte previsão:
    Art. 19. Os órgãos da Administração com competências regulamentares relativas às atividades de administração de materiais, de obras e serviços e de licitações e contratos deverão:
    I – instituir instrumentos que permitam, preferencialmente, a centralização dos procedimentos de aquisição e contratação de bens e serviços;
    II – criar catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras, admitida a adoção do catálogo do Poder Executivo federal por todos os entes federativos;
    III – instituir sistema informatizado de acompanhamento de obras, inclusive com recursos de imagem e vídeo;
    IV – instituir, com auxílio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno, modelos de minutas de editais, de termos de referência, de contratos padronizados e de outros documentos, admitida a adoção das minutas do Poder Executivo federal por todos os entes federativos;
    V – promover a adoção gradativa de tecnologias e processos integrados que permitam a criação, a utilização e a atualização de modelos digitais de obras e serviços de engenharia.
    § 1º O catálogo referido no inciso II do caput deste artigo poderá ser utilizado em licitações cujo critério de julgamento seja o de menor preço ou o de maior desconto e conterá toda a documentação e os procedimentos próprios da fase interna de licitações, assim como as especificações dos respectivos objetos, conforme disposto em regulamento.
    § 2º A não utilização do catálogo eletrônico de padronização de que trata o inciso II do
    caput ou dos modelos de minutas de que trata o inciso IV do caput deste artigo deverá ser justificada por escrito e anexada ao respectivo processo licitatório.
    § 3º Nas licitações de obras e serviços de engenharia e arquitetura, sempre que adequada ao objeto da licitação, será preferencialmente adotada a Modelagem da Informação da Construção (
    Building Information Modelling -BIM) ou tecnologias e processos integrados similares ou mais avançados que venham a substituí-la.

  2. A discussão que se apresentou, e que ora se pretende abordar, centra-se na eventual necessidade de que sejam elaborados alguns ou todos os atos listados acima para que possíveis as respectivas contratações. Os debates, normalmente, focam nos incisos II (catálogos padronizados) e IV (modelos de documentos para a contratação), sendo este último particularmente caro a esta CNMLC, em razão de suas atribuições institucionais dentro da AGU. Entretanto, tem-se que a conclusão relativa a um dos incisos tende a se espraiar aos demais, em menor ou maior medida.

  3. O ponto não diz respeito à eventual obrigatoriedade de uso das medidas previstas no art. 19, sendo os modelos apenas um exemplo. Presume-se que o ato que institua cada um venha a regular a sua forma de utilização, tal como ocorre com os arts. 29 e35 da Instrução Normativa SEGES/MP nº 5/2017. Apenas se ausente tal previsão é que caberia alguma discussão, de modo que se revela prematuro debater esse ponto especificamente.

  4. De qualquer sorte, o art. 19, muito embora possa vir a trazer instrumentos de governança que tenham, potencialmente, alta relevância para as contratações públicas, reveste-se, materialmente, da natureza de uma norma de competência. Vale dizer, o art.19 limita-se a dar competência aos “órgãos da Administração com competências regulamentares” de proceder às medidas previstas no dispositivo (e, no caso do inciso IV, em ação concertada com a Advocacia Pública e o Controle Interno). Não se extrai unicamente desse dispositivo qualquer efeito jurídico para a ausência de tais instrumentos – sem prejuízo de que, no entender do órgão normatizador ou do próprio contratante, eventualmente, opte-se por aguardar uns ou outros, utilizando-se a Lei nº 8.666/93 enquanto isso.

  5. Vale salientar que, na medida em que o §2º permite a não utilização do catálogo eletrônico e dos modelos, justificadamente, abre-se caminho para a interpretação que permita a plena contratação a despeito da inexistência de tais instrumentos, já que essa circunstância pode ser, ela própria, a justificativa em questão. Em outras palavras, justifica-se o não uso de modelos por não existirem e prossegue-se com a contratação nos termos do art. 19, §2º.

  6. Desse modo, tem-se que a ausência de quaisquer dos instrumentos previstos no art. 19, incluindo modelos de documento ou catálogos padronizados, não afetam ou prejudicam a realização de contratação, ressalvada a possibilidade de determinação de se aguardar por sua elaboração, desde que emanada de autoridade competente.


2.5 Normas de Gestão de Riscos e Gestão por Competências


  1. No que concerne à temática de gestão de riscos e gestão por competências, a lei dispõe sobre a questão nos seguintes dispositivos:
    Art. 7º Caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos:
    Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos:
    […]
    Parágrafo único. A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivosestabelecidos no
    caput
    deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações.
    Art. 169. As contratações públicas deverão submeter-se a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive mediante adoção de recursos de tecnologia da informação, e, além de estar subordinadas ao controle social, sujeitar-se-ão às seguintes linhas de defesa:
    […]
    § 1º Na forma de regulamento, a implementação das práticas a que se refere o caput deste artigo será de responsabilidade da alta administração do órgão ou entidade e levará em consideração os custos e os benefícios decorrentes de sua implementação, optando-se pelas medidas que promovam relações íntegras e confiáveis, com segurança jurídica para todos os envolvidos, e que produzam o resultado mais vantajoso para a Administração, com eficiência, eficácia e efetividade nas contratações públicas.

  2. Não se trata, neste ponto, propriamente, de condicionamento em razão de regulamento, mas, sim, pela efetiva implementação das medidas de gestão de riscos e de gestão por competências elencadas acima.

  3. Ainda que se possa argumentar tratar-se de uma diferenciação singela, entende-se que os artigos supracitados, na medida em que incidem sobre todos os órgãos ou entidades contratantes, possuem um grau de obrigatoriedade maior do que o próprio art. 19, o qual pode ser visto, com limites, como tendo, possivelmente, algum caráter programático.

  4. Ademais, são premissas essenciais da Lei nº 14.133/21 a segregação de funções (art. 5º) e a governança, de modo que as medidas para a sua implementação não são meramente indicativas de competência – tem-se que existente, ínsita, uma recomendação de seu uso. Havendo normatização ou instituição de regras de gestão de riscos ou gestão por competências, elas devem ser seguidas – não as havendo, devem ser elaboradas, preferencialmente antes de qualquer contratação.

  5. Entretanto, essa recomendação, quanto a estes artigos, não chega a representar uma limitação, propriamente, ao poder de contratar sem a devida implementação de tais medidas. Não se espera, necessariamente, que qualquer mecanismo adequado de gestão se mostre perfeito sem períodos de testagem, que podem, muitas vezes, ser até alongados ou intensos [24]. Por fim, há de se ressaltar que providências de caráter emergencial ou de grande relevância poderão ultrapassar a barreira da conveniência quanto à prévia elaboração da gestão de riscos e exigir pronto atendimento, o que não pode ser desconsiderado [25].

  6. A Lei nº 8.666/93, mesmo não exigindo o mesmo rigor em termos de governança, possui riscos assemelhados aos da nova legislação, de modo que contratar pela lei antiga ou pela lei nova sem tais medidas pode vir a representar um grau de ameaça equivalente. Entretanto, a diferença significativa é que o órgão contratante possuirá quase 3 décadas de experiência agregada com aLei nº 8.666/93, o que não ocorre com a nova legislação, de modo que pode ser oportuno, salvo melhor juízo e nos termos da BPC nº7[26], que somente se “vire a chave” após adequada preparação e capacitação internas, utilizando-se, para tal fim, se for o caso, do prazo de 2 anos dado pelo art. 191 da nova lei.


76.Entende-se, portanto, que a recomendação, quanto a estes artigos, é de que a autoridade em questão priorize a adaptação de seus procedimentos internos e que trabalhe a capacitação e a gestão por competências com base na nova Lei, antes de passar a utilizá-la plenamente, sem prejuízo de poder contratar utilizando-a como fundamento, em havendo razões para tanto.

2.6As regras de atuação do art. 8º, §3º

  1. A mesma conclusão acima não se aplica, entretanto, para as regras de atuação dos agentes envolvidos em contratações, previstas no art. 8º, §3º, in verbis:
    Art. 8º A licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.
    […]
    § 3º As regras relativas à atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de contratos de que trata esta Lei serão estabelecidas em regulamento, e deverá ser prevista a possibilidade de eles contarem com o apoio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno para o desempenho das funções essenciais à execução do disposto nesta Lei.

  2. Quanto a tais normas, entende-se que a sua inexistência representa uma impossibilidade de atuação dos respectivos agentes. Como o dispositivo trata tanto de servidores envolvidos na licitação (agente de contratação, equipe de apoio, comissão de contratação), quanto na execução contratual (fiscais e gestores de contratos), nem uma nem outra seriam materialmente possíveis. Em suma: a não regulamentação do art. 8º, §3º bloqueia quaisquer licitações e contratações com base na nova lei.

  3. Tal conclusão se dá por duas razões:
    Sem saber o que fazer, o agente não pode executar o seu mister;
    A segregação de funções é premissa sobre a qual se estrutura todo o sistema de execução e responsabilidade da lei(vide arts. 5º e 7º, §1º). Para que ela possa ser minimamente executável, é necessária a previsão da forma de atuaçãode cada função relevante.


80.O segundo ponto é mais simples, razão pela qual trata-se inicialmente dele. A lei parte da segregação de funções para a ação (art. 7º, §1º), bem como para fins de eventual responsabilização (art. 169, §3º, II). Cada agente envolvido no processo de contratação deve executar um conjunto específico de tarefas para que a atuação pública seja adequada e eventuais desvios serão analisados tomando como referência o que deveria ser feito e não o foi (ou foi equivocadamente). Nesse ponto, é premissa inafastável, para que seja possível segregar funções, estarem claras quais as responsabilidades de cada agente envolvido no processo, o que seria atendido, ainda que parcialmente, pelo regulamento citado na norma supra.


81.Quanto ao primeiro ponto, a previsão do art. 8º, §3º, é emblemática, na medida em que confere única e exclusivamente ao regulamento o poder de ditar regras relativas à atuação dos agentes lá mencionados, ainda que eventualmente este possa vir a delegar ao contrato ou a outros atos o preenchimento de eventuais lacunas, ou o estabelecimento de previsões complementares.


  1. Ao contrário do que ocorre, por exemplo, no art. 140, § 3º, o qual prevê a possibilidade de que tanto o regulamento quanto o contrato tratem de determinada matéria (no caso, prazos e métodos e recebimento), o art. 8º, §3º trata apenas de regulamento. Há uma reserva normativa para tratar desse ponto – não se trata de lacuna que poderia vir a ser sanada mediante previsão contratual específica (novamente: ressalvada a possibilidade de o próprio regulamento assim estabelecer, bem como o preenchimento de lacunas relacionadas estritamente ao caso concreto).


83.No que tange aos agentes de contratação, entende-se que esse ponto é mais facilmente observável. Como se verá adiante, o próprio procedimento específico de disputa carece de regulamentação (especificamente quanto às modalidades de concorrência, pregão e leilão), de modo que não é possível extrair da lei sequer algum norte de atuação, porque os atos em si não estão nela claros. Um exemplo emblemático pode ser visto no art. 61, §3º, o qual menciona que a negociação ocorrerá “na forma de regulamento” – se não se sabe como se dará a negociação dentro do procedimento licitatório como um todo, fica difícil até concluir se a ausência desse regulamento impede a atuação do agente respectivo ou se a sua atuação seria extraível do contexto.


84.No que concerne aos gestores contratuais, o mesmo problema ocorre, de forma até mais intensa. A Lei nº 14.133/21menciona essa figura apenas no próprio art. 8º, §3º, não se sabendo sequer qual a sua atribuição geral dentro da execução contratual. Sabe-se que há décadas de experiência com contratos administrativos que conferem à expressão “gestor do contrato” toda uma sorte de significados: mas a lei é integralmente nova, não se deve automaticamente presumir que ela, ao usar o mesmo termo, quis importar as mesmas competências tidas anteriormente.


85.Sob o ponto de vista estritamente legalista, não se tem qualquer fundamento para atribuir ao gestor de contrato esta ou aquela tarefa – tratar-se-ia de atuação com base estritamente em costume administrativo, o que não se recomenda, em razão da cláusula expressa do art. 8º, §3º, em que se demanda regulamentação, considerando ainda a possibilidade de utilização da legislação anterior por mais 2 anos, o que retiraria a necessidade, ao menos por ora, de fazer uso de mecanismos de integração, com o fito de “salvar” a norma para a sua aplicação imediata.


86.Por fim, os fiscais, por outro lado, devem ser tratados de forma diferenciada em relação aos agentes de contratação e os gestores. A lei trata de fiscalização em diversos momentos, bem como delega ao edital (art. 25,caput), ao termo de referência (art.6º, XXIII, “f”) e ao contrato (art. 92, XVIII) o poder de tratar sobre esse tema. Ademais, ao contrário do que ocorre com o gestor do contrato, a lei, no seu art. 117, trata de forma até pormenorizada, sobre atribuições do “fiscal do contrato”. Há uma diferença significativa entre o tratamento legal da atuação do agente de contratação/comissão de contratação/equipe de apoio e do gestor de contrato em relação ao fiscal de contrato. É possível, inclusive, arguir que a expressão “fiscal” poderia ser suprimida do art. 8º, §3ºsem prejuízo material, já que a lei traz uma série de parâmetros para a sua atuação.


  1. Entretanto, a lei não o fez. Mesmo tendo tratamento alongado da fiscalização em sede legal, o mesmo normativo, ainda assim, teve por bem determinar ao Executivo a regulamentação da atuação do fiscal, por entender que tal ponto não estaria, potencialmente, suficientemente tratado. Ademais, há diversas questões envolvendo fiscalização (em especial sob o ponto de vista trabalhista, haja vista a disposição do art. 121) que não estão pormenorizados na lei, de modo que ainda há, sim, o que ser normatizado. De qualquer sorte, na medida em que a lei alça a atuação de fiscais como demandando regulamentação, na mesma categoria dos agentes de contratação e dos gestores contratuais (ambos parcamente tratados na lei), tem-se que tal regulamento é necessário para a completude do sistema e, por decorrência, para a atuação de quaisquer dos agentes citados no referido dispositivo, ainda que, ao fim, quanto ao fiscal, opte-se por uma regulamentação mais sucinta, sem acrescentar significativamente ao que já prevê alei.

2.7 Necessidade de regulamentação do art. 23 sobre pesquisa de preços


  1. A Lei n.º 14.133/21 assim dispõe sobre pesquisa de preços:
    Art. 23. O valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto.
    § 1º No processo licitatório para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, conforme regulamento, o valor estimado será definido com base no melhor preço aferido por meio da utilização dos seguintes parâmetros, adotados de forma combinada ou não:
    I – composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente no painel para consulta de preços ou no banco de preços em saúde disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP);
    II – contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um)ano anterior à data da pesquisa de preços, inclusive mediante sistema de registro de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente;
    III – utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenham a data e hora de acesso;
    IV – pesquisa direta com no mínimo 3 (três) fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, desde que seja apresentada justificativa da escolha desses fornecedores e que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital;
    V – pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento.
    § 2º No processo licitatório para contratação de obras e serviços de engenharia, conforme regulamento, o valor estimado, acrescido do percentual de Benefícios e Despesas Indiretas (BDI) de referência e dos Encargos Sociais(ES) cabíveis, será definido por meio da utilização de parâmetros na seguinte ordem:
    I – composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente do Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro), para serviços e obras de infraestrutura de transportes, ou do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices de Construção Civil (Sinapi), para as demais obras e serviços de engenharia;
    II – utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenham a data e a hora de acesso;
    III – contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um)ano anterior à data da pesquisa de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente;
    IV – pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento.
    § 3º Nas contratações realizadas por Municípios, Estados e Distrito Federal, desde que não envolvam recursos da União, o valor previamente estimado da contratação, a que se refere o
    caput
    deste artigo, poderá ser definido por meio da utilização de outros sistemas de custos adotados pelo respectivo ente federativo.
    § 4º Nas contratações diretas por inexigibilidade ou por dispensa, quando não for possível estimar o valor do objeto na forma estabelecida nos §§ 1º, 2º e 3º deste artigo, o contratado deverá comprovar previamente que os preços estão em conformidade com os praticados em contratações semelhantes de objetos de mesma natureza, por meio da apresentação de notas fiscais emitidas para outros contratantes no período de até 1 (um) ano anterior à data da contratação pela Administração, ou por outro meio idôneo.
    § 5º No processo licitatório para contratação de obras e serviços de engenharia sob os regimes de contratação integrada ou semi-integrada, o valor estimado da contratação será calculado nos termos do § 2º deste artigo, acrescido ou não de parcela referente à remuneração do risco, e, sempre que necessário e o anteprojeto o permitir, a estimativa de preço será baseada em orçamento sintético, balizado em sistema de custo definido no inciso I do § 2º deste artigo, devendo a utilização de metodologia expedita ou paramétrica e de avaliação aproximada baseada em outras contratações similares ser reservada às frações do empreendimento não suficientemente detalhadas no anteprojeto.
    § 6º Na hipótese do § 5º deste artigo, será exigido dos licitantes ou contratados, no orçamento que compusersuas respectivas propostas, no mínimo, o mesmo nível de detalhamento do orçamento sintético referido no mencionado parágrafo.


89.A nova lei demarca, no artigo 23, a necessidade de que o valor estimado pela Administração Pública esteja calcado em pesquisa de preços a fim de garantir compatibilidade com os valores praticados pelo mercado.


90.É cediço que a pesquisa de preço é um dos elementos estruturantes da contratação, ou seja, a verificação dos valores praticados no mercado é salutar para a avaliação acerca da viabilidade, forma, tempo da contratação. A nova lei não se descurou da importância desse elemento e traçou uma série de parâmetros que devem ser seguidos.


  1. O parágrafo primeiro anuncia que o valor de referência será estruturado considerando o “melhor preço” e aponta os parâmetros que poderão ser utilizados. A ótica da novel legislação para a composição dos custos parece romper com a lógica do menor preço, o que recomenda uma atenção especial em sua utilização.


92.Sob a égide da Lei n.º 8.666/93, a tônica gravitava em torno do menor preço, no entanto, a nova lei abre uma nova perspectiva ao agregar ao menor dispêndio de recursos outros elementos, o que fatalmente gerará reflexos na estruturação do custo da
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licitação.


93.A ruptura da cultura do menor preço pela nova lei fica ainda mais evidente quando se observa o artigo 34, que sinaliza que a identificação da “melhor proposta” deve ser guiada por novos vetores, como ciclo de vida dos produtos, qualidade mínima, sustentabilidade ambiental.


94.A própria lei, de forma expressa, indica que seguindo a ótica do “melhor preço”, a pesquisa direciona a sistematização por ato infralegal, ou seja, a operacionalização do custo da licitação deve ser desenvolvida de forma pormenorizada em sede regulamentar.


  1. Em que pese a necessidade de regulamentação, e apesar de constar uma gama extensa de requisitos na referida norma, não se promoveu, em exaustão, todos os pontos, como uma ordem de preferência para o manejo dos aludidos parâmetros. Há, por conseguinte, um aceno para a necessidade de maior detalhamento da pesquisa de preço por meio de ato infralegal para a sua utilização[27]
    .
    96.Desse modo, o disciplinamento da matéria não se evidencia capaz de produzir efeitos imediatos, uma vez que necessita integralizar atos complementares para alcançar a sua eficácia plena. Fazendo referência à aplicabilidade das normas constitucionais, tem-se que as normas que tratam da pesquisa de preço “não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado.”


97.Passa-se a avaliar os incisos constantes do § 1º do artigo 23, no afã de verificar a possibilidade de utilização imediata de algum de seus comandos.


  1. O primeiro parâmetro constante do § 1º remete à possibilidade da composição de custos realizar-se a partir dos dados extraídos do painel para consulta de preços ou banco de preços em saúde, disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas(PNCP). O dispositivo guarda uma impossibilidade fática de operacionalização diante da inexistência, até o presente momento, do PNCP.


99.
Quanto aos parâmetros constantes dos incisos II (contratações similares); III (utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada/tabela de referência/sítios eletrônicos especializados); IV (pesquisa direta com no mínimo três fornecedores), observe-se que a lei não cuidou de detalhar a metodologia, a formalização, os critérios e eventual ordem de preferência, o que implica a necessidade de integralização da sistemática por ato infralegal. Reforce-se, ainda, que a leitura dos aludidos parâmetros deve ser orientada não pelo menor preço, mas sim pelo “melhor preço”, o que abre a possibilidade de uma diferente modulação no caso concreto.


100.No que concerne ao parâmetro constante do inciso V (pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento) trata-se de inovação que possibilitará, por meio do PNCP, a pesquisa de notas fiscais eletrônicas, em base nacional. O próprio dispositivo indica expressamente a necessidade de regulamentação da sistemática, e o seu funcionamento se dará por meio do PNCP, que ainda não se encontra disponível.


101.Assim, os critérios, as metodologias, a formalização, os parâmetros e eventual ordem de preferência, segundo a dicção da própria lei, recomendam acomodação em ato infralegal; entende-se, por conseguinte, que, como a pesquisa de preços é ato crucial, ou seja, estruturante do procedimento licitatório, restará necessário o disciplinamento por ato infralegal para o manejo das contratações com base na nova lei.


2.8Necessidade de regulamentação dos arts. 31 e 56 para licitações


102.Com relação ao leilão, observe-se o que dispõe o art. 31 da Lei nº 14.133, de 2021:
Art. 31. O leilão poderá ser cometido a leiloeiro oficial ou a servidor designado pela autoridade competente da Administração, e regulamento deverá dispor sobre seus procedimentos operacionais.
§ 1º Se optar pela realização de leilão por intermédio de leiloeiro oficial, a Administração deverá selecioná-lomediante credenciamento ou licitação na modalidade pregão e adotar o critério de julgamento de maior desconto para as comissões a serem cobradas, utilizados como parâmetro máximo os percentuais definidos na lei que regula a referida profissão e observados os valores dos bens a serem leiloados.
§ 2º O leilão será precedido da divulgação do edital em sítio eletrônico oficial, que conterá:
I – a descrição do bem, com suas características, e, no caso de imóvel, sua situação e suas divisas, com remissão à matrícula e aos registros;
II – o valor pelo qual o bem foi avaliado, o preço mínimo pelo qual poderá ser alienado, as condições de pagamento e, se for o caso, a comissão do leiloeiro designado;
III – a indicação do lugar onde estiverem os móveis, os veículos e os semoventes;
IV – o sítio da internet e o período em que ocorrerá o leilão, salvo se excepcionalmente for realizado sob a forma presencial por comprovada inviabilidade técnica ou desvantagem para a Administração, hipótese em que serão indicados o local, o dia e a hora de sua realização;
V – a especificação de eventuais ônus, gravames ou pendências existentes sobre os bens a serem leiloados.
§ 3º Além da divulgação no sítio eletrônico oficial, o edital do leilão será afixado em local de ampla circulação de pessoas na sede da Administração e poderá, ainda, ser divulgado por outros meios necessários para ampliar a publicidade e a competitividade da licitação.
§ 4º O leilão não exigirá registro cadastral prévio, não terá fase de habilitação e deverá ser homologado assim que concluída a fase de lances, superada a fase recursal e efetivado o pagamento pelo licitante vencedor, na forma definida no edital.


  1. A modalidade licitatória do leilão encontra disciplinamento no artigo 31 da nova lei e se destina, de forma precípua, à alienação de bens móveis ou imóveis. Dentre as inovações, note-se que a novel legislação afastou a possibilidade do emprego da concorrência para a alienação de bens.

104.Os parágrafos do artigo 31 anunciam os requisitos que devem constar do edital do leilão, a forma de escolha do leiloeiro oficial, bem como sinaliza a forma de divulgação da convocação.
105.No que concerne aos procedimentos operacionais, o artigo 31 é claro ao remeter ao regulamento a sua sistematização. Assim, tal aplicabilidade dependerá da edição de normas integrativas para a plena e concreta execução da modalidade licitatória do leilão. Segundo a nova lei, será necessária a edição de regulamentos que selem os contornos concretos e peculiares para garantir a necessária aplicação.


106.Dessa forma, o emprego da modalidade licitatória do leilão somente poderá ser ultimado após o exercício do poder regulamentar.


107.Em linha similar, cabe tratar, agora, do art. 56, in verbis:
Art. 56. O modo de disputa poderá ser, isolada ou conjuntamente:
I – aberto, hipótese em que os licitantes apresentarão suas propostas por meio de lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes;
II – fechado, hipótese em que as propostas permanecerão em sigilo até a data e hora designadas para sua divulgação.
§ 1º A utilização isolada do modo de disputa fechado será vedada quando adotados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto.
§ 2º A utilização do modo de disputa aberto será vedada quando adotado o critério de julgamento de técnica e preço.
§ 3º Serão considerados intermediários os lances:
I – iguais ou inferiores ao maior já ofertado, quando adotado o critério de julgamento de maior lance;
II – iguais ou superiores ao menor já ofertado, quando adotados os demais critérios de julgamento.
§ 4º Após a definição da melhor proposta, se a diferença em relação à proposta classificada em segundo lugar for de pelo menos 5% (cinco por cento), a Administração poderá admitir o reinício da disputa aberta, nos termos estabelecidos no instrumento convocatório, para a definição das demais colocações.
§ 5º Nas licitações de obras ou serviços de engenharia, após o julgamento, o licitante vencedor deverá reelaborar e apresentar à Administração, por meio eletrônico, as planilhas com indicação dos quantitativos e dos custos unitários, bem como com detalhamento das Bonificações e Despesas Indiretas (BDI) e dos Encargos Sociais(ES), com os respectivos valores adequados ao valor final da proposta vencedora, admitida a utilização dos preços unitários, no caso de empreitada por preço global, empreitada integral, contratação semi-integrada e contratação integrada, exclusivamente para eventuais adequações indispensáveis no cronograma físico-financeiro e para balizar excepcional aditamento posterior do contrato.


108.A nova lei, em seu artigo 56, anuncia que o modo de disputa pode ser aberto, fechado, aberto e fechado ou fechado e aberto, na medida em que possível a combinação. Observe-se que, apesar de o comando não indicar expressamente a necessidade de regulamento, a ausência de detalhamento dos aludidos modos de disputa implica a necessidade de que haja para a sua operacionalização o desenvolvimento por ato infralegal de seus contornos concretos. Além disso, funcionalidades como a reabertura de fases demandaria, igualmente, regulamentação.


  1. A simples indicação dos tipos de disputa admissíveis pela nova lei não é suficiente para que seu emprego seja viabilizado. Assim, mesmo que não haja indicação expressa da necessidade de regulamentação, o preceito carece de normas integrativas para que sejam estabelecidos os aspectos operacionais alusivos à fase de lances.

  2. Note-se, no Decreto n.º 10.024/2019, que regulamenta a licitação na modalidade pregão, notadamente nos artigos 32 e33, apresenta um fluxo operacional, o que não se vê refletido no texto da nova lei. Desse modo, a aplicabilidade do preceito encontra-se mitigada, uma vez que o delineamento deverá ser desenvolvido por meio de atos infralegais.

  3. Assim, os critérios, a metodologia e os recursos procedimentais para que a definição do modo de disputa seja realizada de forma clara e objetiva não foram desenvolvidos pela nova lei, razão pela qual se remete o preceito à necessidade do exercício do poder regulamentar.


112.
Cabe registrar que este caso de necessidade de regulamentação é excepcional, por não decorrer de determinação legal expressa. Mantém-se o que fora dito outrora sobre a necessidade de preservar a vontade legislativa – a conclusão pela imprescindibilidade de regulamento, neste caso, se dá pela incidência plena dos arts. 84, IV e 87, parágrafo único II da Constituição Federal: deve haver a expedição de decretos, regulamentos ou instruções para a fiel execução dos modos de disputa, dado que a lei materialmente não deu elementos mínimos para que se possa dela extrair qualquer procedimento a ser seguido.


  1. Ademais, nos termos do art. 37, XXI da Constituição Federal, tem-se que o procedimento licitatório possui caráter normativo (seja pela via legal originariamente, seja por regulamentos de forma supletiva, nos termos dos arts. 84, IV e 87, parágrafo único, II já citados), de modo que não é possível simplesmente integrar as lacunas da lei, nesse ponto, por disposições editalícias, inclusive por não encontrar abrigo legal em tal forma de proceder.

  2. Considerando que o modo de disputa impacta no desenvolvimento dos certames, notadamente da concorrência e do pregão, modalidades disciplinadas pelo novo estatuto, conclui-se que a presente regulamentação se revela de suma importância para que procedimentos licitatórios (modalidade de leilão e modos de disputa para concorrência e pregão) possam ser erigidos com base na Lei n.º 14.133/2021.


2.9 Da necessidade de regulamentação do Sistema de Registro de Preços para seu uso


  1. Saliente-se, novamente, a necessidade prévia de instituição do PNCP para a utilização dos procedimentos auxiliares, tanto no que tange à publicidade do edital (art. 54), como para a inserção das atas de registro de preços nesse portal (art. 174, § 2º, IV).

  2. O Sistema de Registro de Preços (SRP) está previsto nos artigos 82 a 86 da Lei nº 14.133, de 2021, e, tal como os demais procedimentos auxiliares, deverá obedecer a critérios claros e objetivos definidos em regulamento (art. 78, §1º).

  3. No art. 6º, XLV, da nova lei, o SRP é definido como “o conjunto de procedimentos para realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos a prestação de serviços,a obras e a aquisição e locação de bens para contratações futuras”.

  4. O registro de preços, como visto, não é modalidade de licitação, mas um sistema que permite a órgãos participantes e não participantes (os denominados “caronas”) adquirirem produtos e serviços registrados por intermédio de licitação realizada por um órgão gerenciador.


119.A figura do “carona”, que, por muito tempo, figurou como criação da praxe administrativa, passou a ter assento legal na nova legislação e corresponde àquele que, apesar de não ter participado da licitação para registro dos produtos/serviços/obras, acaba por adquiri-los de forma excedente ao que havia sido estimado na ata de registro de preços (art. 6º, XLIX).


120.A nova legislação tratou, portanto, com pormenores, o SRP e nisso se distancia da Lei nº 8.666, de 1993, que só continha um singelo artigo sobre o tema. O SRP é, na verdade, tratado em sua integralidade pelo Decreto nº 7.892, de 23.1.2013, que,além de trazer todo o rito procedimental do registro de preços, prevê hipóteses não prenunciadas em lei.


121.Desta forma, a nova lei supriu as falhas da anterior, disciplinando os aspectos principais do SRP, cabendo, de toda a sorte, regulamentação para alguns pontos.


  1. No geral, a Lei nº 14.133, de 2021, já traz os parâmetros para a utilização desse procedimento, o que nos levaria a concluir que o regulamento porventura expedido teria caráter complementar, já que a normatização contida na Lei seria suficiente para de limitar o instituto.


123.De fato, se assim fosse, estaríamos diante de uma norma de eficácia contida, que, embora possuísse aplicabilidade direta e imediata, poderia ter seu âmbito de incidência restringido por normatização superveniente.


124.José Afonso da Silva[28] enumera cinco particularidades das normas de eficácia contida, estudadas em âmbito constitucional, mas que, repita-se, podem ser aplicadas para normas inferiores, razão pela qual faremos as adaptações pertinentes, tendo como premissa os notáveis estudos do mencionado jurista:
(i) Via de regra, são normas que demandam integração normativa mediante intervenção do Poder Executivo, fazendo remissão expressa a uma regulamentação superveniente. Contudo, o papel da futura regulamentação vai no sentido de restringir a eficácia;
(ii) Enquanto não for produzida a norma infralegal integradora, a lei continuará produzindo efeitos plenos. Nesse ponto reside uma distinção em relação às normas de eficácia limitada, pois estas requerem integração normativa para a produção plena de seus efeitos jurídicos, de forma a permitir uma aplicação concreta e positiva;
(iii) São normas de aplicabilidade direta e imediata, pois o legislador lhes atribuiu juridicidade suficiente no sentido de disciplinar os interesses vinculados à matéria de que cogitam;
(iv) Algumas dessas normas veiculam conteúdos de natureza ético-jurídica, a exemplo de bons costumes, ordem pública etc., como valores sociais ou políticos a serem preservados, implicando, pois, a limitação da sua eficácia;
(v) Sua eficácia pode ser afastada pela incidência de outros dispositivos constitucionais, na hipótese de ocorrência de determinados pressupostos fáticos, como, por exemplo, estado de sítio ou de defesa.


125.Voltando ao caso específico, tem-se que, embora o novo diploma fixe, para o SRP, (i) as cláusulas obrigatórias a serem previstas no edital, (ii) os critérios de julgamento admissíveis, (iii) a faculdade na contratação, (iv) o prazo de vigência da ata e sua eventual prorrogação, (v) a obrigatoriedade de realizar o procedimento de intenção de registro de preços, (vi) a possibilidade participação de caronas, bem como (vii) os limites de sua participação, há um ponto crucial que pende de regulamentação.


126.Esse ponto, salvo melhor juízo, impede que a aplicação do SRP possa ser realizada de modo imediato. Vejamos.


  1. O artigo 82, §5º, da nova lei, estabelece:
    § 5º O sistema de registro de preços poderá ser usado para a contratação de bens e serviços, inclusive de obras e serviços de engenharia, observadas as seguintes condições:
    II – seleção de acordo com os procedimentos previstos em
    regulamento
    ; (grifamos)

  2. O dispositivo supratranscrito determina que a seleção a ser utilizada para a contratação de bens e serviços, inclusive de obras e serviços de engenharia, deverá ser feita de acordo com os procedimentos previstos em regulamento.

  3. Isto significa que não há como selecionar sem que exista um regulamento fixando os critérios, parâmetros e requisitos dessa forma de apuração.

  4. Com efeito, nenhum bem, serviço, obra ou serviço de engenharia poderá ser objeto de um sistema de registro de preços enquanto não sobrevier o regulamento que indica o modelo de seleção a ser utilizado.

  5. Ainda no que tange à temática do registro de preços, a Lei nº 14.133, de 2021, inovou ao tornar permanente a possibilidade de realizar o registro de preços por contratação direta, tanto nas hipóteses de inexigibilidade, quanto nas de dispensa de licitação[29].


132.O artigo 82, § 6º, da Lei 14.133, de 2021, prevê que:
Art. 82. […]
§ 6º. O sistema de registro de preços poderá, na forma de regulamento, ser utilizado nas hipóteses de inexigibilidade e de dispensa de licitação para a aquisição de bens ou para a contratação de serviços por mais deum órgão ou entidade.


  1. Assim, tornou-se juridicamente possível registrar preços sem a realização de um processo licitatório anterior.

  2. Entretanto, a possibilidade de formação da ata sem o prévio certame depende de regulamento, uma vez que sua delimitação foi relegada integralmente à normatização inferior.

  3. Dito isso, no que tange à formação da ata de registro de preços por inexigibilidade ou dispensa de licitação, a lei adotou a mesma metodologia da seleção por licitação para registro de preços, qual seja, a necessidade de sistematização por meio de regulamento.

  4. Assim, todas as hipóteses de registro de preço (por dispensa, por inexigibilidade ou mediante prévio certame)dependem de regulamentação para sua utilização.


137.Adotando a classificação de José Afonso da Silva[30], trata-se de norma de eficácia limitada, que impõe o dever de, por meio de outras normas jurídicas, lhes implementar ou desenvolver o conteúdo.


  1. Adaptando as lições do mestre aos regulamentos infralegais, pode-se dizer que o conteúdo normativo veiculado no artigo 82, §§5º e 6º, da Lei nº 14.133, de 2021, é de eficácia limitada, já que depende de complementação ulterior para que possa produzir os seus efeitos típicos.
    139. Desta forma, até que sobrevenha o mencionado regulamento, o SRP, com o regime jurídico instituído pela Lei nº14.133, de 2021, não poderá ser utilizado, pois ausente pressuposto essencial à sua aplicação, consistente, pois, no método de seleção a ser utilizado para os objetos que se pretende registrar.

  2. Igualmente, a ata de registro de preços não poderá ser formada via dispensa ou inexigibilidade até que sobrevenha a regulamentação pelas razões acima expostas.


141.
De toda a sorte, como averbamos anteriormente, a Administração continuará podendo utilizar-se, nas contratações regidas pela legislação “antiga”, do SRP, somente com base no regime instituído pelo Decreto nº 7.892, de 2013, que admite a realização do registro de preços unicamente via licitação.


2.10 Modelo de Gestão do Contrato – Art. 92, XVIII.


  1. O art. 92, XVIII citado traz a seguinte previsão:
    Art. 92. São necessárias em todo contrato cláusulas que estabeleçam:
    […]
    XVIII – o modelo de gestão do contrato, observados os requisitos definidos em regulamento;

  2. Referido dispositivo deve ser lido em conjunto com os arts. 6º, XXIII, “f” e 25,
    caput, in verbis
    :
    Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:
    […]
    XXIII – termo de referência: documento necessário para a contratação de bens e serviços, que deve conter os seguintes parâmetros e elementos descritivos:
    14/06/2021 https://sapiens.agu.gov.br/documento/649532021
    https://sapiens.agu.gov.br/documento/649532021 14/25
    […]
    f) modelo de gestão do contrato, que descreve como a execução do objeto será acompanhada e fiscalizada pelo órgão ou entidade;
    – – –
    Art. 25.
    O edital deverá conter o objeto da licitação e as regras relativas à convocação, ao julgamento, à habilitação, aos recursos e às penalidades da licitação,
    à fiscalização e à gestão do contrato
    , à entrega do objeto e às condições de pagamento.

  3. Preliminarmente, rememore-se que já fora estabelecido, anteriormente, que as condutas esperadas do fiscal do contrato e do gestor (art. 8º, §3º) devem ser objeto de regulamentação para que seja possível a atuação propriamente dita. Nesse sentido, o contrato virá apenas a regular ou as lacunas trazidas pelos próprios regulamentos, ou ainda as medidas relacionadas intrinsecamente às circunstâncias do caso concreto, a partir dos ditames gerais do regulamento e da lei, e que, por definição, não podem ser de normatização geral e abstrata.

  4. A presente análise é complementar à conclusão acima. Afora o que disser respeito às condutas específicas dos fiscais e gestores (ex: obrigações de apresentação de documentação pela contratada, periodicidade de vistorias, eventual uso de instrumentos de facilitação de fiscalização/checklists, etc.), o modelo de gestão do contrato depende da regulamentação prévia prevista no art. 92,XVIII para existir?

  5. Nesse ponto a resposta é, ao nosso ver, negativa. Para tanto, indicam-se dois fundamentos:
    1.
    A lei confere ao Termo de Referência e ao Edital poderes não condicionados de tratar sobre o modelo de gestão do contrato, de modo que esse tema, no geral, não é exclusivo de regulamentação;
    2.
    O inciso XVIII difere na sua redação de outros dispositivos citados neste parecer. Fala-se em “observados os requisitos definidos em regulamentos”, o que não representa a mesma restrição de expressões como “nos termos de regulamento” ou similares.
    147.
    Quanto ao primeiro ponto, os arts. 6º, XXIII, “f” e 25,
    caput
    , ambos citados acima, claramente concedem ao Termo de Referência – TR e ao Edital o poder de estabelecer regras sobre o “modelo de gestão”. O primeiro desses dispositivos, inclusive, vai além, na medida em que delega ao TR, a disposição sobre o próprio Modelo de Execução do contrato, dando-se a entender que a previsão que estiver no Termo de Referência tende a ser recepcionada (ou replicada) na minuta contratual.

  6. Na medida em que não há condicionamentos a “regulamentos”, entende-se que tais normas tratam o tema de “modelo de gestão contratual” (ou especificamente fiscalização e gestão) como sendo uma regra de caráter negocial, ao menos sob o ponto de vista geral, ressalvados os aspectos específicos com alçada normativa, tais como as regras de conduta do art. 8º, §3º, já tratados anteriormente.

  7. Sendo regra negocial, a ausência de regulamento não impede a contratação, na medida em que a autonomia da vontade, ainda que restringida pela juridicidade, fará o papel de integrar eventuais lacunas, dispondo sobre o que eventualmente não estiver já na lei. O Termo de Referência e, por decorrência, o Edital e o Contrato, podem tratar do Modelo de Gestão de Contrato em minúcias enquanto inexistir regulamentação que o faça de forma generalizada, ressalvado, novamente, os pontos que demandam tratamento por regulamento, expostos neste parecer.

  8. Nesse sentido que se insere o segundo fundamento: ao dizer que devem ser observados os “requisitos definidos em regulamento”, a lei não atribui ao regulamento o poder exclusivo de tratar da questão, mas sim possibilita que este venha a limitar a autonomia da vontade das partes contratantes, prevista nos arts. 6º, XXIII e 25. Entretanto, se não há regulamento, também inexistem requisitos a serem preenchidos para validade das previsões contratuais – a cláusula independerá da conformidade com um determinado requisito se ele não existir. Trata-se, na clássica definição de José Afonso da Silva, de uma norma de eficácia contida, cujas características já foram abordadas neste parecer.

  9. Dito isso e concluindo pela ausência de restrição à contratação no caso de inexistência do regulamento do art. 92,XVIII, cabe registrar que a possibilidade de contratar sem modelos de gestão contratual pré-estabelecidos não significa a conveniência de assim fazê-lo. Em especial nos contratos de maior risco (principalmente os que envolvam dedicação exclusiva de mão-de-obra, em razão do já citado art. 121), pode ser recomendável que a Administração se utilize, enquanto “boas práticas” (e não por eventual incidência normativa), dos modelos de gestão contratual presentes nos normativos existentes para a lei nº 8.666/93, tal como a Instrução Normativa SEGES/MP nº 5/2017, até que adequadamente tratada a questão em regulamento, conforme a nova legislação.

2.11 Disposições transitórias. Esclarecimentos dos arts. 189 a 191.


  1. Dispõe o art. 189 que:
    Art. 189. Aplica-se esta Lei às hipóteses previstas na legislação que façam referência expressa à Lei nº 8.666, de21 de junho de 1993, à Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002
    , e aos arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011.


153.O novo estatuto licitatório foi concebido para tratar de todos os processos de contratação efetuados pela Administração Pública. Assim, a regra constante do art. 189 concerne às referências de outros normativos que porventura tenham feito à Lei nº8.666/93, à Lei n.º 10.520/2002 e aos artigos 1º a 47-A da Lei n.º 12.462/2011.


  1. Outros normativos valem-se igualmente dos dispositivos contidos nos diplomas em referência. Cite-se, como exemplo, o Estatuto das Estatais, Lei nº 13.303, de 2016, que, em seu art. 55, trata da questão de empate entre duas propostas, e adota, como critérios de desse empate, aqueles estabelecidos no § 2º do art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993. Veja-se:
    Art. 55. Em caso de empate entre 2 (duas) propostas, serão utilizados, na ordem em que se encontram enumerados, os seguintes critérios de desempate:
    (Vide Lei nº 14.002, de 2020)
    (…)
    III – os critérios estabelecidos no
    art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991, e no§ 2º do art. 3º da Lei nº8.666, de 21 de junho de 1993;


155.Como o legislador optou pelo entendimento de que o novo Estatuto Licitatório regularia integralmente a matéria, o inciso III supracitado deve ser lido sob a ótica do art. 189 da Lei nº 14.133, de 2021, como uma referência ao art. 60 deste último diploma, em que são arrolados vários critérios de desempate.


  1. A incidência da disposição constante do artigo 189 da Lei n.º 14.133/2021 pode ser, também, estampada no que toca à previsão contida no artigo 38, VII, da Lei n.º 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. Cite-se:
    Art. 38. A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art.27, e as normas convencionadas entre as partes.
    VII – a concessionária não atender a intimação do poder concedente para, em 180 (cento e oitenta) dias, apresentar a documentação relativa a regularidade fiscal, no curso da concessão, na forma do art. 29 da Lei nº8.666, de 21 de junho de 1993. (Redação dada pela Lei nº 12.767, de 2012)

  2. A disposição constante do artigo 38, VII, da Lei n.º 8.987, de 1995 passa, por força da combinação com o artigo 189da Lei n.º 14.133/2021, a ser compreendido seguindo a sistemática estampada no artigo 68 na nova lei:
    Art. 68. As habilitações fiscal, social e trabalhista serão aferidas mediante a verificação dos seguintes requisitos:
    I – a inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ);
    II – a inscrição no cadastro de contribuintes estadual e/ou municipal, se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual;
    III – a regularidade perante a Fazenda federal, estadual e/ou municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei;
    IV – a regularidade relativa à Seguridade Social e ao FGTS, que demonstre cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei;
    V – a regularidade perante a Justiça do Trabalho;
    VI – o cumprimento do disposto no
    inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.


158.A legística prefere que, para obtenção de maior precisão, haja referência expressa aos dispositivos que sejam objeto de alteração, conforme indica o art. 11, II, “g” da Lei Complementar nº 95, de 1998:
Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:
(…)
II – para a obtenção de precisão:
(…)
g) indicar, expressamente o dispositivo objeto de remissão, em vez de usar as expressões ‘anterior’, ‘seguinte’ ou equivalentes;
(Incluída pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001)


159.No entanto, diante da miríade de normas que apontam para esses três diplomas, em razão da matéria de que tratam, o legislador, para dirimir eventuais dúvidas, afirmou expressamente que todos esses comandos devem ser entendidos como referência expressa à nova norma, a Lei nº 14.133, de 2021.


  1. A presente interpretação busca, por conseguinte, compatibilizar o conteúdo da norma constante do art. 189 com a parte final do art. 191, que aponta a impossibilidade de se criar uma “colcha de retalhos”, combinando dispositivos da antiga Lei nº 8.666,de 1993 com a Lei nº 14.133, de 2021.
  2. A parte final do art. 191 impede, ainda, qualquer interpretação no sentido de que as referências constantes da Lei nº8.666, de 1993, poderiam eventualmente ser lidas automaticamente como referências aos dispositivos constantes da nova lei, em virtude do texto constante do art. 189.

  3. Exemplifique-se: o Parágrafo Único do art. 8º da Lei nº 8.666, de 1993, faz referência ao despacho circunstanciado da autoridade referida no art. 26 da mesma lei, que fundamenta dispensas e inexigibilidades. Seria possível entender que essa referência ao art. 26 poderia ser entendida como direcionada ao art. 72 da nova lei? A resposta deve ser, indubitavelmente, negativa. Assentir com essa interpretação seria criar insegurança jurídica insanável, e é exatamente tal situação que o art. 191 da Lei nº 14.133, de 2021,busca evitar.

  4. Assim, o comando do artigo 189 do atual estatuto de licitações deve ser interpretado seguindo as disposições constantes notadamente do artigo 191, sob pena de se criar um “terceiro sistema jurídico”, que, aliás, foi expressamente vedado pela lei.

  5. Em termos práticos, quando o gestor optar pelo novo regime jurídico as disposições esparsas encontradas em outros diplomas legais que porventura façam remissão à Lei nº 8.666/93, à Lei n.º 10.520/2002 e aos artigos 1º a 47-A da Lei n.º 12.462/2011 devem ser compreendidos como referência à Lei n.º 14.133/2021. Ao reverso, caso se opte pela legislação anterior, dentro do período de dois anos, absolutamente despicienda a combinação com o artigo 189 em comento, tendo em vista que Lei nº 8.666/93, a Lei n.º10.520/2002 e os artigos 1º a 47-A da Lei n.º 12.462/2011 estão em vigor e devem ser aplicados de maneira independente, ou seja, sem interface.
    Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput
    do art. 193 , a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.[31]

  6. O direito intertemporal busca acomodar tratamento jurídico acerca do reflexo que nova lei possa operar em relações jurídicas erigidas ou em processo de construção com base em legislação anterior. Sobre a questão, Maria Helena Diniz ensina que:
    “(…) quando uma lei modifica ou regula, de forma diferente, a matéria versada pela lei anterior, seja em decorrência da ab-rogação (revogação total da lei anterior) ou pela derrogação (revogação parcial da lei anterior), podem surgir conflitos entre as novas disposições e as relações jurídicas já consolidadas sob a égide da velha norma revogada.”

  7. O disciplinamento da temática no bojo da nova lei operou-se de forma peculiar, na medida em que não se verifica nem a ab-rogação e tampouco a derrogação da legislação antiga, uma vez que a Lei n.º 8.666/93, a Lei n.º 10.520/2002 e os artigos 1º a 47-A da Lei n.º 12.462/2011 continuam válidos pelo período de dois anos.

  8. Wilson de Sousa Campos Batalha apresenta um conceito interessante acerca do direito intertemporal marcado pelo impacto do corte operacionalizado pela nova legislação em razão do “tempo jurídico”. Assim, o direito intertemporal pode ser entendido como “(…) o conjunto de soluções adequadas a atenuar os rigores da incidência do tempo jurídico com o seu poder cortante e desmembrador de uma realidade que insta e perdura.”[32]

  9. Considerando o conceito doutrinário acima referenciado, perquire-se: houve o corte desmembrador e impositivo de um novo regime jurídico para as contratações pública a partir do advento da Lei n.º 14.133/2021? O legislador, buscando impedir um potencial cenário de caos nas contratações erigiu um disciplinamento transitório diferenciado: permitiu a coexistência no tempo de dois regimes jurídicos.

  10. A temática ganha contornos mais instigantes, na medida em que a nova lei de licitações e contratações não se valeu do prazo constante do artigo 1º, do Decreto-lei n.º 4.657, de 4 de setembro de 1942 e tampouco fixou uma “
    vacatio legis”, conforme se observa do teor do artigo 194 da Lei n.º 14.133/2021 . A nova lei de licitações e contratações tem vigência imediata.

  11. No que concerne à vigência imediata da lei, registre-se que, segundo José Eduardo Cardozo, pode ser compreendido como “ aquele que atinge fatos e situações no exato momento temporal em que esta entre em vigor, não importando juridicamente se tais fatos e situações remontam ou não no seu nascimento a um antigo diploma legislativo por esta nova lei substituído.” [33]

  12. Dessa forma, o novo regime jurídico para as contratações com base na Lei n.º 14.133/2021 é erigido, no entanto, lado a lado com o regime tradicional e, hoje, antigo: Lei n.º 8.666/93, a Lei n.º 10.520/2002 e os artigos 1º a 47-A da Lei n.º 12.462/2011.Nesse ponto, a vigência imediata da Lei n.º 14.133/2021 não rompeu com a sistemática normativa anterior, uma vez que o legislador, ao modular as disposições transitórias, protegendo a continuidade das contratações públicas, entendeu que o melhor caminho era permitir que os dois sistemas operassem dentro de um lapso temporal determinado, até para que houvesse tempo hábil de edição da regulamentação necessária à plena aplicabilidade da dessa nova Lei. Também não houve estipulação de data fixa para essa aplicabilidade, uma vez que a regulamentação demandada é ampla.

  13. Importante observar que as regras clássicas de soluções de conflitos intertemporais ao que tudo indica não se subsomem de forma integral à presente situação, uma vez que a nova lei de licitações coexiste com os anteriores diplomas legais, não se operando, por conseguinte, o modelo clássico da revogação da sistemática anterior.

  14. O artigo 191, ao instituir o “período de graça” entre o regime da nova lei e o regime fixado pela Lei nº 8.666/93, pela Lei n.º 10.520/2002 e pelos artigos 1º a 47-A da Lei n.º 12.462/2011, buscou preservar a continuidade da prestação do serviço público, na medida em que as contratações públicas foram protegidas dos efeitos de uma imposição abrupta que uma nova sistemática poderia ocasionar.

  15. Embora o legislador tenha procurado privilegiar a continuidade do serviço público, permitindo que o gestor contrate serviços e adquira produtos utilizando-se das normas anteriores, é certo que houve uma opção definitiva por um novo regime, conforme deixa claro o final do art. 191, que adotou a expressão “(…)
    vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso”.

  16. Com a fórmula engenhosa constante da cláusula de revogação a termo ou tardia, que admite a coexistência de quatro diplomas normativos que tratam do mesmo tema, o legislador permite que a Administração Pública capacite e promova uma adequação ao seu corpo técnico, num generoso prazo de dois anos, ao longo dos quais poderá continuar usufruindo os conhecimentos e a experiência adquiridos no trato com a legislação anterior.

  17. A aplicação da Lei n.º 8.666/93, da Lei n.º 10.520/2002 e dos artigos 1º a 47-A da Lei n.º 12.462/2011ganhou contornos similares aos de ultratividade [34] , uma vez que durante o período de dois anos poderão ser utilizados validamente a critério do gestor. Acerca da ultratividade, Carlos Maximiliano ensina que “(…) a regra para o juiz é fazer observar o direito vigente, salvo nos casos em que o direito revogado conserva certa ultratividade.” [35]

  18. Abre-se um parêntese para observar que a ultratividade da lei antiga já se operou no ordenamento jurídico pátrio, exemplifique-se com as disposições constantes dos artigos 2.028 [36] e 2.046 [37] do Código Civil/2002. O Código Civil de 2002estabeleceu expressamente as situações em que as disposições do antigo Código Civil de 1916 incidiriam. Assim, algumas disposições continuaram ser disciplinadas pela lei revogada, apesar do advento do novo Código Civil.
    178. O fenômeno operado pela sistemática da nova lei de licitações e contratações também apresenta contornos particulares quando se compara com a conceituação tradicional de ultratividade: a lei revogada rege algumas situações detalhadas na nova lei. Observe-se que no presente caso não se opera a sobrevida de lei antiga de forma posterior à sua revogação, salvo para os contratos já firmados. Assim, no modelo eleito pelo legislador, disposto na Lei n.º 14.133/2021, a Lei n.º 8.666/93, a Lei n.º 10.520/2002 e os artigos 1º a 47-A da Lei n.º 12.462/2011 não foram revogados e se encontram perfeitamente aplicáveis dentro do “período de graça”, permitindo a coexistência de dois regimes jurídicos sobre contratações públicas, ambos em vigor.
    179.
    Cabe registrar que haverá a ultratividade “pura” da legislação antiga nos casos dos contratos firmados com base nela após decorridos os dois anos de que trata o art. 191,
    caput , enquanto perdurar a vigência destes, conforme parágrafo único do mesmo dispositivo. Senão veja-se:
    Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193
    , a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.
    Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei , o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.

  19. Retornando à questão, desse modo, para contratações públicas presentes e futuras, tem-se a possibilidade de aplicação dos dois regimes – antigo e novo -, havendo, no entanto, a impossibilidade de combinação entre os comandos de cada um deles.

  20. A vedação da aplicação combinada tem como efeito a necessária escolha, pelo gestor, de um dos dois regimes de contratação: aquele inaugurado pela nova lei e o anterior, ainda vigente, mas claramente rumando para o desuso, ressalvados os contratos já firmados, e, ao final do prazo de dois anos, para a revogação definitiva.

  21. Observe-se que a aplicação dos regimes é do tipo excludente, ou seja, no período de transição é possível o manejo deum ou de outro regime de forma estanque, sem que se permita mescla e/ou intercâmbio de suas disposições.

  22. Assim, o gestor poderá eleger se em determinada contratação se valerá dos comandos da Lei nº 8.666/93, da Lei n.º10.520/2002 e dos artigos 1º a 47-A da Lei n.º 12.462/2011 ou se adotará a Lei n.º 14.133/2021, sendo vedada a combinação entre esses diplomas normativos.


2.12 Aplicação da Lei nº 14.133/2021 e a necessidade de edição de novos  regulamentos


  1. Nos itens anteriores, já abordamos a necessidade de regulamentação da lei. Pretende-se agora responder ao seguinte questionamento: os regulamentos editados sob a égide das Leis nº 8.666/93, nº 10.520/02 e nº 12.462/11 podem ser aproveitados como instrumentos regulamentares Lei nº 14.133/21?

  2. A resposta para esta pergunta não é das mais simplórias, tendo em vista, primeiramente, que o vocábulo “regulamento” comporta diversas interpretações no direito pátrio e estrangeiro [38] . Assim, para facilitar a compreensão da análise aqui realizada optar-se-á pelo sentido de regulamento como ato emitido pelo Chefe do Poder Executivo. E, nesta linha de raciocínio, é possível utilizar o conceito lançado por Celso Antônio Bandeira de Mello, que afirma ser o regulamento, no Direito brasileiro, é:
    (…) ato geral e (de regra) abstrato, de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a estrita finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução de lei cuja aplicação demande atuação da Administração Pública.

  3. E, da mesma forma que ressaltado pelo referido autor, adverte-se que as considerações aqui efetuadas aplicar-se-ão a instruções, portarias, resoluções, regimentos ou quaisquer outros atos gerais do Executivo [39].

  4. Sabe-se que a Lei nº 14.133, de 2021, prevê necessidade de regulamento, ou regulamentação, ato de Poder ou ato normativo em mais de 50 dispositivos, o que nos leva à inevitável conclusão de que, em grande parte, a Lei ainda não é aplicável. Está-se diante, pois, de norma de eficácia limitada, conforme já explanado neste parecer.

  5. Outrossim, há que se atentar para a necessidade de observância do princípio da segurança jurídica, que possui como importante instrumento a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (o Decreto-lei nº 4.657, de 1942 – a LINDB), “norma preliminar que se constitui em coordenada essencial para as demais normas jurídicas (sem se preocupar com a meramente didática divisão entre direito público e privado)”
    [40] .

    189.Dito isto, passa-se à análise do primeiro ponto necessário para a melhor resposta da pergunta alhures: a análise da sucessão de leis no tempo [41] . Ora, qualquer aplicação de legislação nova depende de condições que permitam o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências de atos jurídicos, o que significa a obediência aos primados da segurança jurídica, tendo como corolário o princípio da irretroatividade das leis, garantia consagrada constitucionalmente pelo art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal[42].

  6. De acordo com o artigo 2º da LINDB, “(n)ão se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue” . Considerando-se que não se trata de lei temporária, a Lei nº 14.133, de 2021, determinou no seu artigo 194que sua entrada em vigor se deu na data da sua publicação, o que nos permite afirmar que a lei está em plena vigência, tendo em vista o princípio da continuidade das leis [43]
    .
    191. Comumente, a lei apenas perde vigor quando outra a revoga, seja de forma expressa ou tácita. Assim, de acordo com José Afonso da Silva [44]:

Se a lei revogada produziu efeitos em favor de um sujeito, diz-se que ela criou situação jurídica subjetiva, que poderá ser um simples interesse, um interesse legítimo, a expectativa de direito, um direito condicionado, um direito subjetivo. Este último é garantido jurisdicionalmente, ou seja, em um direito exigível na via jurisdicional. Recebe, assim, proteção direta, pelo que seu titular fica dotado do poder de exigir uma prestação positiva ou negativa.


  1. A Lei nº 14.133, de 2021, nesta perspectiva, trouxe expressamente [45] quais os diplomas que serão revogados, conforme se observa da redação do artigo 193, in verbis
    :
    Art. 193. Revogam-se:
    I – os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei;
    II – a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial desta Lei.
    193.
    Pela redação do inciso II do dispositivo acima, nota-se a adoção de solução incomum na sucessão de leis no tempo. Optou-se pela manutenção de dois regimes jurídicos diversos durante o lapso temporal de dois anos contados da publicação oficial da lei. Desta forma, haverá a convivência de instrumentos normativos tratando das mesmas matérias.
    194.
    Conforme já abordado neste parecer, o art. 191 da Nova Lei de Licitações e Contratos é importante norteador para esta análise, uma vez que corresponde a disposição transitória que visa conceder tempo para que a sociedade se adapte à nova lei, bem como para que haja tempo hábil a sua regulamentação. Todavia, estabelece-se um fenômeno similar à ultratividade, de caráter excepcional, culminando numa situação normativa adicional além daquelas usualmente verificadas quando da análise do Direito Intertemporal.

  2. Alguns autores denominam este fenômeno como sobrevivência da lei antiga[46], conforme bem explica Lilian Barrosde Oliveira Almeida:


No Brasil, entre os doutrinadores, José Eduardo Martins Cardozo e Wilson Campos Batalha utilizam as expressões “ultratividade da lei” e “sobrevivência da lei antiga” como expressões sinônimas. Já Elival da SilvaRamos e Carlos Young Tolomei entendem que tais expressões possuem sentidos diferentes, não podendo ser consideradas sinônimas. Ensinam os dois últimos doutrinadores que, no fenômeno da ultratividade legal, a incidência de normas contidas na legislação revogadora é afastada, de modo a ensejar a persistência dos efeitos de normas da legislação revogada. Já nas situações de sobrevivência da lei antiga, a incidência de normas contidas na legislação revogadora é afastada, estabelecendo-se, paralelamente, uma aparente incidência, no presente, de normas veiculadas pela legislação revogada. Importante, ainda, destacar que, para os mencionados autores, não existe sobrevivência da lei antiga e sim aparência de sobrevivência da lei antiga, que possui aptidão para iludir o observador na medida em que determinados fatos realizados já durante a vigência da lei nova continuam a ter a mesma disciplina normativa da legislação precedente.

  1. Normalmente, os fatos pendentes são os que ganham importância neste contexto por se prolongarem no tempo, sendo desconsiderado o passado, fatos que tiveram curso em momento anterior à entrada da lei em vigor, e o futuro, fatos posteriores a entrada de vigência da lei. A previsão legal aqui analisada possibilitou, de forma incomum, a aplicação da legislação anterior, mesmo para fatos futuros, por dois anos.

  2. Assim, analisando a questão sob a perspectiva da eficácia, é possível afirmar que apenas haverá a revogação das leis nº8.666, nº 10.520 e nº 12.462 após transcorrido o lapso de dois anos da publicação da novel legislação, ou seja, as referidas normas permanecem válidas no sistema até findo o referido prazo. Haverá uma postergação da afirmação de que o sistema não mais conterá as referidas normas. Ou seja, os referidos normativos estarão plenamente eficazes durante o transcurso destes dois anos e após para os contratos firmados nesse período, conforme art 191, parágrafo único.

  3. Recorde-se que o exame aqui efetuado diz respeito ao exercício do poder regulamentar exercido pelo Chefe do Executivo e como tal deve se pautar pelo princípio da legalidade, constitucionalmente estabelecido nos arts. 5º, II e 37 da Constituição Federal[47]. Neste sentido, vale a pena transcrever trecho da decisão do Supremo Tribunal de Federal, no HC 100.784, julgado em 18de dezembro de 2009:


Com efeito, a expedição de decretos para a fiel execução das leis é atribuição privativa do Presidente da República, nos termos do artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal, instrumento pelo qual exerce o poder regulamentar da administração pública, conforme leciona Hely Lopes Meirelles:
O poder regulamentar é a faculdade de que dispõem os Chefes de Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) de explicar a lei para sua correta execução, ou de expedir decretos autônomos sobre a matéria de sua competência ainda não disciplinada por lei. É um poder inerente e privativo do Chefe do Executivo (CF, art. 84, IV), e, por isso mesmo, indelegável a qualquer subordinado. (in Direito administrativo brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 129) Os decretos de execução de lei, portanto, têm a função de regulamentar, explicitar o que disciplinou o legislador no diploma legal, seja tornando mais claros os seus dispositivos, seja complementando-o a pedido do próprio elaborador do texto legal, respeitados os limites neste impostos, conforme ocorre com a matéria referente ao porte de arma de fogo. E,
desde que a revogação da lei seja feita por outra que venha disciplinar a mesma matéria, o decreto que regulamentava a primeira continua válido para a segunda, até a expedição de novo decreto, a fim de que se evite o vácuo legislativo indesejado pelo legislador. Nesse sentido, confira-se novamente a lição do saudoso administrativista:
Decreto regulamentar ou de execução: é o que visa a explicar a lei e facilitar sua execução, aclarando seus mandamentos e orientando sua aplicação. Tal decreto comumente aprova, em texto à parte, o regulamento a que se refere. Questiona-se se esse decreto continua em vigor quando a lei regulamentada é revogada e substituída por outra. Entendemos que sim, desde que a nova lei contenha a mesma matéria regulamentada. (op. cit. p. 183)
199. Perceba-se que a decisão se utilizou das lições de Hely Lopes Meirelles para afirmar que o decreto regulamentar do caso concreto haveria sido “recepcionado” pela legislação posterior. Ocorre que, normalmente, tal recepção se dá quando há, expressa ou tacitamente, a revogação da legislação anterior que tratou da mesma matéria, o que não será verificado no caso da Lei nº 14.133, de2021, durante o prazo de dois anos previstos nos artigos 191 e 193, inciso II.


  1. Na esteira do entendimento doutrinário acima citado, no presente caso restaria afastada a possibilidade de aproveitamento dos regulamentos fulcrados com base na legislação anterior para a posterior diante da ausência de revogação. Assim, considerando a coexistência de regimes jurídicos diferentes e a ausência de revogação de um desses regimes obstaria a recepção de decretos e demais atos regulamentares estruturados com base na lei anterior para a posterior.

  2. Em reforço à posição ora tomada, mesmo se ultrapassarmos o argumento da sucessão de leis no tempo, ainda assim a conclusão pela aplicabilidade dos regulamentos anteriores deve ser vista com reservas. Nesse sentido, tem-se que a segurança jurídica não deve apenas se pautar na necessária preservação de situação jurídica subjetiva, que gerou um direito subjetivo. Deve também estar atenta à segurança da sociedade, buscando prevenir a existência de instabilidade nas futuras relações jurídicas. Assim, a possibilidade de utilização de regulamentos anteriores no momento da aplicação da Lei nº 14.133, ainda estando vigentes as Leis 8.666/93, nº10.520/02 e nº 12.462/11, pode significar caos normativo.

  3. A segurança jurídica, como princípio fundamental estruturante do Estado de Direito, consiste em verdadeira busca pela garantia da previsibilidade das normas, ou seja, a certeza do direito[48] . Deve-se ter em mente que é necessário um dever de coerência no ordenamento jurídico, que, de acordo com Norberto Bobbio[49], não corresponde a condição de validade, mas de justiça. Nas palavras do autor, Onde existem duas normas antinômicas, ambas válidas, e portanto ambas aplicáveis, o ordenamento jurídico não consegue garantir nem a certeza, entendida como possibilidade, por parte do cidadão, de prever com exatidão as consequências jurídicas da própria conduta, nem a justiça, entendida como o igual tratamento das pessoas que pertencem à mesma categoria.

  4. Admitir a “recepção” dos regulamentos afetos às Leis 8.666/93, nº 10.520/02 e nº 12.462/11 pela Nova Lei de Licitações e Contratos, enquanto todos esses regimes continuarem em vigor, poderá significar a utilização de mesmos detalhamentos normativos para regimes jurídicos distintos, causando tratamento não isonômico dos administrados e incerteza das consequências jurídicas.

  5. E, estes regimes jurídicos distintos podem ser verificados pelo fato de que a nova Lei de Licitações e Contratos busca unificar diversos regimes de contratação pública, conforme bem explana Egon Bockmann Moreira [50] :
    Por um lado, a futura lei de licitações e contratos criará microssistema normativo, a disciplinar autonomamente certas contratações da Administração Pública. Ela congrega, unifica e dá significado sistemático ao outrora fragmentado regime. Ao derrogar as leis anteriores, exige interpretação como a única lei que disciplina determinadas licitações e contratos. Atividade que deverá ser feita a partir dela mesma – e não com fundamento em leis inexistentes.

  6. Retomando o exemplo do sistema de registro de preços, o ordenamento jurídico pátrio detalha o instituto em pelo menos quatro microssistemas, sem olvidar do regime temporário que trata das contratações voltadas para o enfrentamento da situação de emergência provocada pela COVID-19, a saber:


Decreto n.º 7.892/2013, que regulamenta o artigo 15 da Lei n.º 8.666/93;
Decreto n.º 7.581/2011, especifica o instituto no âmbito do regime diferenciado de contratações públicas;
Lei n. 13.303/2016 ainda pendente de regulamentação; e
Lei n.º 14.133/2021.


  1. O microssistema de registro de preço da Lei n.º 8.666/93 não se confunde com o disciplinado na Lei n.º 12.462/2011,uma vez que se constituem formas diferenciadas de manejar as contratações públicas, em que pese guardarem semelhança terminológica.

    207. Frise-se que a Lei n.º 14.133/2021 reuniu em sua estrutura três grandes microssistemas, a saber: Lei n.º 8.666/93; Lei n.º 10.520/2002 e pela Lei n.º 12.462/2011 e agregou outros pontos de inovação e entendimentos jurisprudenciais do Tribunal de Contas da União. Assim, muitos institutos na nova lei de licitações contemplam disposições de partes da Lei n.º 8.666/93 com parágrafos constantes da Lei n.º 12.462/2011, inaugurando, por conseguinte, outro regime jurídico, com novos institutos, em que pese ainda adotar a mesma nomenclatura.

  2. A título ilustrativo, a modalidade de concorrência da Lei n.º 8.666/93 não guarda total coincidência com a modalidade estampada na Lei n.º 14.133/2021, salvo em relação à terminologia e à natureza, uma vez que sua estrutura e requisitos se aperfeiçoam de forma diversa, já que os prazos de divulgação, as fases, os objetos, os critérios de julgamento são distintos daqueles estampados no bojo da Lei n.º 8.666/93.

  3. Assim, considera-se que a nova lei de licitações, ao agregar microssistemas, entendimentos jurisprudenciais, bem como inovar em alguns pontos, erigiu um novo regime jurídico, em que pese se valer de terminologias usuais, arrastando, por conseguinte, uma inviabilidade de utilização automática de regulamentos anteriores. Repise-se: a nova legislação, mesclando dispositivos de distintos microssistemas legais, fundou novos institutos, ou seja, a Lei n.º 14.133/2021 não pode ser entendida como uma mera reforma da Lei n.º 8.666/93.

  4. Voltando ao disciplinamento do sistema de registro de preço, perquire-se qual microssistema poderia ser considerado recepcionado pela nova lei de licitações? O regulamento da Lei n.º 8.666/93? O regulamento do RDC? Ora, se a nova lei consolidou disposições de normativos diferentes, acabou por erigir novos institutos, o que prejudica a recepção e o aproveitamento seja do Decreto n.º 7.892/2013, seja do Decreto n.º 7.581/2011, uma vez que não há uma verdadeira coincidência de matérias. Repise-se, aqui, que a nova lei se valeu, no entanto, da mesma nomenclatura, mas essencialmente os institutos guardam diferenciações e mesclagens normativas significativas, que não podem ser desconsideradas.

  5. Assim, saliente-se que a nova lei de licitações não contempla somente disposições da Lei n.º 8.666/93 e sim agrega alei do pregão, do RDC, bem como entendimentos jurisprudenciais do Tribunal de Contas da União, o que provoca uma verdadeira disrupção com os microssistemas existentes. Nesse sentido, chama-se atenção para a parte final do artigo 191 que divisa os regimes jurídicos sobre contratações públicas.

  6. Importante ressaltar um outro aspecto que reforça essa linha argumentativa: a interpretação por “trechos” ou de “partes” de regulamentos antigos distintos tem o condão de elevar exponencialmente o grau de incerteza jurídica quando da aplicação da nova lei de licitações.

  7. Considerando que os institutos da nova lei mesclam microssistemas normativos, a interpretação de que determinados artigos e parágrafos de um decreto e as disposições de outros atos infralegais potencialmente alargam o cenário de incerteza, além doque, de forma reflexiva, rompem com a determinação legal de vedação à combinação entre regimes jurídicos.


214.Assim, a interpretação em “tiras” seja do texto constitucional ou legal
, como bem ressaltado pelo Ministro Eros Grau ,deve ser evitada :
“(…) Ademais, não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços. Tenho insistido em que a interpretação do direito é interpretação do direito, não de textos isolados, desprendidos do direito. Não se interpreta textos de direito, isoladamente, mas sim o direito — a Constituição — no seu todo (…)” (Voto do Ministro Eros Grau na ADI na 3685, Relator(a): ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 22/03/2006, DJ 10-08-2006).

  1. Dessa forma, a avaliação casuística de quais tiras dos decretos poderiam ser aplicadas para dar suporte de sustentação para a aplicação plena da Lei n.º 14.133/2021 fere o princípio da segurança jurídica, uma vez que expõe os gestores a diversos entendimentos díspares. Importante frisar que a intenção do legislador foi exatamente diversa, na medida em que possibilitou que regimes jurídicos que versem sobre contratação pública estejam em vigor e possam coexistir dando espaço para que a transição, juntamente com a respectiva regulamentação, possa ser realizada sem atropelos.

  2. Assim, verifica-se, a priori , uma incompatibilidade dos “regulamentos” editados sob a égide das Leis nº 8.666/93, nº10.520/02 e nº 12.462/11, sendo recomendado se utilizar uma postura cautelosa de modo a manter a coerência do ordenamento jurídico e prestigiar a segurança jurídica. Todavia, esta orientação não impede que o órgão normativo responsável pela regulamentação prevista na Lei nº 14.133, no exercício de sua função normativa e analisando casuisticamente situações jurídicas, conclua pela aplicação de determinados regulamentos, devendo fazê-lo de modo expresso, ou seja, por meio de ato normativo específico que acolha os ditames previstos no regulamento da lei precedente à nova lei, para que reste preservada a coerência do ordenamento, bem como a segurança jurídica. Relembre-se que, da mesma forma que verificado quando análise do PNCP, é vedada a combinação da nova Lei com as Leis nº 8.666/93, 10.520/2002 e 12.462/2011 e a não aplicação da nova Lei não acarretará nenhum prejuízo ao gestor ou ao interesse público.


217.
Ante o exposto, conclui-se que: a) a Lei nº 14.133/2021, nos artigos 191 e 193, inciso II, possibilitou a aplicação da legislação anterior, mesmo para fatos futuros, por dois anos; b) a utilização de mesmos detalhamentos normativos para regimes jurídicos distintos, poderá causar tratamento não isonômico dos administrados e incerteza das consequências jurídicas; c) não é possível que os regulamentos editados na égide das Leis nº 8.666/93, nº 10.520/02 e nº 12.462/11 sejam recepcionados pela Lei nº14.133, de 2021, enquanto todos esses diplomas continuem em vigor, a luz do art. 191, parte final, da Lei nº 14.133/21 – ressalvada a possibilidade de que um novo ato normativo, editado pela autoridade competente, estabeleça expressamente a aplicação de tais regulamentos para a nova legislação.

3 CONCLUSÕES

218. Por tudo o que se expõe, são essas as conclusões que se têm sobre o tema em questão:

1.A divulgação dos contratos e dos editais no Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP não pode ser substituída pelo DOU, sítio eletrônico do órgão ou outro meio de divulgação, sendo obrigatório, portanto, o PNCP;

2. O art. 70, II abre a possibilidade de registros cadastrais não-unificados para fins de substituição da documentação de habilitação;


  1. A implementação das medidas previstas no art. 19 da nova lei, incluindo os modelos, não é pré-requisito para que haja contratações pelo novo regramento, muito menos exige-se ônus argumentativo adicional para contratar-se antes de finalizadas tais medidas. Essa conclusão não aborda a eventual obrigatoriedade de uso de instrumentos que efetivamente existam;

  2. Os arts. 7º, 11, parágrafo único e 169, §1º são consideradas como medidas preferenciais antes de proceder às contratações: recomenda-se que o gestor se prepare, iniciando gestão por competências/processos de controle interno antes de iniciar a aplicação da nova lei, sem prejuízo de, justificadamente, fazer contratações antes disso;

  3. O regulamento do art. 8º, §3º é necessário para a atuação do agente ou da comissão de contratação, equipe de apoio, fiscais e gestores contratuais. Como toda licitação necessita de agente/comissão de contratação e todo contrato de fiscal/gestor, isso implica, na prática, a impossibilidade de licitar ou contratar até que as condutas dos agentes respectivos sejam regulamentadas na forma do artigo em questão.
  4. É necessária a regulamentação de pesquisas de preços, tanto em geral quanto especificamente para obras e serviços de engenharia, para que elas sejam feitas com fundamento na nova lei;

  5. A regulamentação da modalidade de Leilão e dos modos de disputa da Concorrência e do Pregão é necessária para o seu uso;

  6. Para o uso do SRP, é necessária a sua regulamentação, seja em geral, seja quando resultante de contratação direta;

  7. É possível contratar sem a regulamentação do modelo de gestão do contrato, caso em que o próprio instrumento contratual deverá desenhar o modelo que seja adequado ao caso. Ainda assim, é recomendável que, nos casos de contratação com mão-de-obra, utilize-se de procedimentos de fiscalização trabalhista adequados à lei, análogos à IN5/2017, por exemplo.

  8. Nos dois anos a que se refere o art. 191, o gestor poderá eleger se em determinada contratação se valerá dos comandos da Lei nº 8.666/93, da Lei n.º 10.520/2002 e dos artigos 1º a 47-A da Lei n.º 12.462/2011, inclusive subsidiariamente, ou se adotará a Lei n.º 14.133/2021, inclusive subsidiariamente, nos termos do art. 189;
  9. Em qualquer caso, é vedada a combinação entre a Lei nº 14.133/21 e as Leis 8.666/93, 10.520/2002 e os arts. 1º a47-A da Lei nº 12.462/2011, conforme parte final do art. 191;

  10. Não é possível a recepção de regulamentos das leis nº 8.666/93, 10.520/02 ou 12.462/11 para a Lei nº 14.133/21,enquanto todas essas leis permanecerem em vigor, independentemente de compatibilidade de mérito, ressalvada a possibilidade de emissão de ato normativo, pela autoridade competente, ratificando o uso de disposições regulamentares para contratações sob a égide da nova legislação.

  11. Para sistematizar, tem-se, pois, que:
    – a implementação/regulamentação dos arts. 54; 94; 174; 8º, §3º; 23; 31; 56 e 82, §§5º e 6º são condicionantes à eficácia, total ou parcial da norma;
    – recomenda-se que se priorize a implementação dos arts. 7º; 11, parágrafo único e 169, §1º antes de utilizar a nova lei de forma massificada, sem que, entretanto, isso represente um impeditivo;
    – os arts. 70, II; 19 e 92, XVIII não condicionam a eficácia da lei.

  12. Sugere-se, outrossim, que se dê ciência dos termos deste parecer à Secretaria de Gestão do Ministério da Economia para que, se for o caso, dimensione a priorização da regulamentação e demais atos de sua competência considerando as conclusões trazidas nesta manifestação.


À consideração superior.


Brasília, de junho de 2021.


Alyne Gonzaga de Sousa
Relatora
Advogada da União
Carolina Zancaner Zockun
Relatora
Procuradora da Fazenda Nacional
Hugo Teixeira Montezuma Sales
Relator
Advogado da União
Rachel Nogueira de Souza
Relatora
Procuradora da Fazenda Nacional
Adriano Dutra Carrijo
Advogado da União
Bruno Eduardo Araújo Barros de Oliveira
Advogado da União
Caroline Marinho Boaventura Santos
Procuradora Federal
Daniel Lin Santos
Advogado da União
Diego da Fonseca Hermes Ornellas de Gusmão
Procurador Federal
Eliete Viana Xavier
Advogada da União
Fabrício Lopes Oliveira
Leandro Sarai

 

 

 

  1. ^ BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2019 p.396.
  2. ^ CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o construtivismo lógico-semântico. 3a.ed. São Paulo:Noeses, 2013, p.553-554.
  3. ^ O entendimento esposado nesse tópico foi originariamente construído no PARECER SEI No 5693/2021/ME, da lavra do Dr.Flávio Garcia Cabral
  4. ^ undefined
  5. ^ Art. 54. A publicidade do edital de licitação será realizada mediante divulgação e manutenção do inteiro teor do atoconvocatório e de seus anexos no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).§ 1º Sem prejuízo do disposto no caput,é obrigatória a publicação de extrato do edital no Diário Oficial da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município,ou, no caso de consórcio público, do ente de maior nível entre eles, bem como em jornal diário de grande circulação
  6. ^ SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p.126.
  7. ^ Leis de eficácia limitada são extremamente comuns no nosso sistema jurídico. Na seara tributária, por exemplo, mencione-se a questão da Lei nº 13.043/2014, que versa sobre à COFINS, tendo a Solução de Consulta COSIT nº 187/2019 mencionadoexpressamente: “O gozo do benefício da desoneração tributária referida no art. 70 da Lei nº 13.043, de 2014 — visto que esteconstitui norma de eficácia limitada — carece de regulamentação própria […]”
  8. ^ CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o construtivismo lógico-semântico. 3.ed. 8 São Paulo:Noeses, 2013, p.555.
  9. ^ CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o construtivismo lógico-semântico. 3.ed. 8 São Paulo:Noeses, 2013, p.555
  10. ^ Cite-se, nessa oportunidade, o Portal Zênite de Contratações Públicas – disponível em https://www.zenite.blog.br/a-aplicacao-da-nova-lei-de-licitacoes-depende-da-criacao-do-portal-nacional-de-contratacoes-publicas/ – acesso em25.05.2021.
  11. ^ Ronald Dworkin apresenta que a diferença entre regras e princípio é de natureza lógica. Ambos os conjuntos 11 apontampara decisões particulares acerca da obrigação jurídica sob determinadas circunstâncias, mas se apartam quanto à naturezada orientação fornecida. Ao passo que as regras se aplicam da maneira tudo-ou-nada, os princípio não apresentamconsequências jurídicas que ocorrem automaticamente quando as condições são dadas (DWORKIN, Ronald. Levando osdireitos a sério. Tradução Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.34-40).
  12. ^ Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por 12 licitarou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhidadeverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinadadesta Lei com as citadas no referido inciso.
  13. ^ Nesse sentido, vide a lição de Virgílio Afonso da Silva (SILVA, Virgílio Afonso da, Direitos Fundamentais: conteúdoessencial, restrições e eficácia. 2ª edição.São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 52), segundo o qual: “Esse é um ponto queé muitas vezes ignorado quando se pensa em colisão entre regras e princípios. Em geral, não se pode falar em uma colisãopropriamente dita. O que há é simplesmente o produto de um sopesamento, feito pelo legislador, entre dois princípios quegarantem direitos fundamentais, e cujo resultado é uma regra de direito ordinário. A relação entre regra e um dos princípiosnão é, portanto, uma relação de colisão, mas uma relação de restrição. A regra é expressão dessa restrição. Essa regra deve,portanto, ser simplesmente aplicada por subsunção”
  14. ^ Art. 176. Os Municípios com até 20.000 (vinte mil) habitantes terão o prazo de 6 (seis) anos, contado da data 13 depublicação desta Lei, para cumprimento: I – dos requisitos estabelecidos no art. 7º e no caput do art. 8º desta Lei; II – daobrigatoriedade de realização da licitação sob a forma eletrônica a que se refere o § 2º do art. 17 desta Lei; III – das regrasrelativas à divulgação em sítio eletrônico oficial. Parágrafo único. Enquanto não adotarem o PNCP, os Municípios a que serefere o caput deste artigo deverão: I – publicar, em diário oficial, as informações que esta Lei exige que sejam divulgadas emsítio eletrônico oficial, admitida a publicação de extrato; II – disponibilizar a versão física dos documentos em suasrepartições, vedada a cobrança de qualquer valor, salvo o referente ao fornecimento de edital ou de cópia de documento, quenão será superior ao custo de sua reprodução gráfica.
  15. ^ GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5.ed. São Paulo: Malheiros Editores,2009, p.214.
  16. ^ CABRAL, Flávio Garcia. O conteúdo jurídico da eficiência administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2019, 15 p.64-65.
  17. ^ Acessível em https://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/listarAtosAno.do?action=exibir&codAto=246545&indice=1&totalRegistros=54&anoSpan=2021&anoSelecionado=2021&mesSelecionado=0&isPagina
  18. ^ TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 9 ed. Salvador: Jus Podivm, 2018. p. 469.
  19. ^ Conforme Decreto Estadual (SP) nº 52.205, de 27 de setembro de 2007
  20. ^ Conforme Decreto Estadual (MG) nº 47.524, de 6 de novembro de 2018
  21. ^ Conforme Decreto Estadual (MA) nº 36.170, de 18 de novembro de 2020

 

 

  1. ^ Art. 88, § 3º. A atuação do contratado no cumprimento de obrigações assumidas será avaliada pelo contratante, que emitirádocumento comprobatório da avaliação realizada, com menção ao seu desempenho na execução contratual, baseado emindicadores objetivamente definidos e aferidos, e a eventuais penalidades aplicadas, o que constará do registro cadastral emque a inscrição for realizada.
  2. ^ Art. 88, § 4º. A anotação do cumprimento de obrigações pelo contratado, de que trata o § 3º deste artigo, será condicionadaà implantação e à regulamentação do cadastro de atesto de cumprimento de obrigações, apto à realização do registro deforma objetiva, em atendimento aos princípios da impessoalidade, da igualdade, da isonomia, da publicidade e datransparência, de modo a possibilitar a implementação de medidas de incentivo aos licitantes que possuírem ótimodesempenho anotado em seu registro cadastral.
  3. ^ Merece registro que a Lei nº 8.666/93, mesmo tendo 28 anos de vigência, não gerou já sistemas “perfeitos” de gestão deriscos ou de gestão por competência, de modo que o aperfeiçoamento contínuo pela prática não pode ser desconsiderado.
  4. ^ Nesse ponto, não se está a falar em desconsiderar normas internas já existentes, mas sim de não se paralisar a máquina portais normas não existirem.
  5. ^ A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deveconter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais comoos técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formularrecomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.
  6. ^ DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 3 edição, revista, ampliada eatualizada. p. 82-83.
  7. ^ SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p.104-105.
  8. ^ De fato, antes da nova lei de licitações e contratos, a Lei da COVID-19 (Lei nº 13.979, de 2020) trouxe a possibilidade deformação de uma ata de registro de preços por meio de dispensa de licitação, em seu art. 4º, § 4º, de forma temporária, ouseja, apenas enquanto perdurasse a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.Desta forma, ampliando a hipótese prevista de forma temporária na Lei nº 13.979, de 2020, a nova lei admite a possibilidadede formação de uma ata de registro de preços não apenas por meio de dispensa, mas também por inexigibilidade.
  9. ^ SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p.138.
  10. ^ DINIZ, Maria Helena. Conflito de leis. São Paulo: Saraiva, 1998, 3 ed. rev. p. 36
  11. ^ BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito Intertemporal. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 54.
  12. ^ CARDOZO, José Eduardo Martins. Da retroativade da lei. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995 apud ALMEIDA, LilianBarros de Oliveira. Direito Adquirido: uma questão em aberto. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 37.
  13. ^ Não se trata propriamente de ultratividade, pois não houve revogação em si, mas sim a previsão de sistemas concomitantes.Por isso se fala apenas em “similaridade”.
  14. ^ MAXIMILIANO, Carlos. Direito Intertemporal ou Teoria da Retroatividade das Leis. Rio de Janeiro: Livraria FreirasBastos, 1 ed., 1946, p. 13.
  15. ^ Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, jáhouver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.
  16. ^ Art. 2.046. Todas as remissões, em diplomas legislativos, aos Códigos referidos no artigo antecedente, consideram-se feitasàs disposições correspondentes deste Código.
  17. ^ Conforme Celso Antonio Bandeira de Mello, “(a)o contrário do que se poderia supor, regulamento não éum nomen iuris que isola com precisão uma categoria de atos uniformes. Ante – e pelo contrário -, é designativo que, emdiferentes países e em diferentes épocas, tem servido para recobrir atos de virtualidades jurídicas distintas e nem sempreoriundos de fonte normativa equivalente” (Curso de Direito Administrativo. 21ª. Ed, ver, atualizada até a EmendaConstitucional n 52, de 8.3.2006. São Paulo-SP: Malheiros Editores, 2006, p. 321)
  18. ^ O autor ainda complementa afirmando que “É que, na pirâmide jurídica, alojam-se em nível inferior ao próprioregulamento. Enquanto este é o ato do Chefe do Poder Executivo, os demais assistem a autoridades de escalão mais baixo e,de conseguinte, investidas de poderes menores” (Curso de Direito Administrativo. 21ª. Ed, ver, atualizada até a EmendaConstitucional n 52, de 8.3.2006. São Paulo-SP: Malheiros Editores, 2006, p. 351).
  19. ^ BUENO FILHO, Edgard Silveira. A segurança jurídica e a interpretação das normas de direito público segundo a lei13.655/18. Coluna do Migalhas. Disponível em A segurança jurídica e a interpretação das normas de direito público segundoa lei 13.655/18. Acesso em: 02.mai.2021
  20. ^ Importante lembrar que a cada inovação legislativa, o problema da temporalidade e da intertemporalidade da lei éenfrentada pelo intérprete, devendo-se, sempre, ponderar, de um lado, “o progresso das instituições jurídicas, para que estasse adéquem continuadamente às sempre renovadas necessidades de uma sociedade em permanente transformação, nosaspectos político, econômico e social. De outro lado, está a necessidade de assegurar aos particulares a estabilidade, ousegurança, imprescindível ao desenvolvimento de suas atividades”. (ALMEIDA, Lilian Barros de Oliveira. O DireitoIntertemporal e seus fenômenos. Debates em Direito Pública, ano 9, n. 9, out. 2010. Belo Horizonte: Forum, 2010)
  21. ^ Vide artigo 6º da LINDB. François Ost alerta para o fato de que a nossa sociedade não parece se preocupar com asexperiências do passado, nem como uma construção do futuro, buscando sempre a solução para “um presente reduzido aosacessos da instantaneidade, aos sobressaltos da urgência, à insignificância do dia-a-dia”.(O Tempo do Direito. Lisboa,Portugal: Instituto Piaget (Editions Odile Jacob), 1999, p. 32.)
  22. ^ Em regra, as leis têm efeito permanente, isto é, uma vigência por prazo indeterminado, salvo quanto as leis de vigênciatemporária.
  23. ^ SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 43 ed, rev e atual até a Emenda Constitucional n. 105, de12.12.2019. São Paulo: Malheiros, 2020, p. 436.
  24. ^ LINDB, especialmente quando este ponto trata do no § 1º do seu artigo 2º das revogações: expressa (a lei indica o que estáa ser revogado), tácita (a norma revogadora é implícita, resultando da incompatibilidade de normas). Mencione-se também aredação atual do art. 9º da Lei Complementar nº 95, de 1998, “A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, asleis ou disposições legais revogadas” (redação dada pela Lei Complementar nº 107, de 2001).
  1. ^ ALMEIDA, Lilian Barros de Oliveira. O Direito Intertemporal e seus fenômenos. Debates em Direito Pública, ano 9, n. 9,out. 2010. Belo Horizonte: Forum, 2010
  2. ^ De acordo com Celso Antonio Bandeira de Mello: “Em estrita harmonia com o art. 5º, II, precitado, e travando um quadrocerrado dentro do qual se há de circunscrever a Administração, com todos os seus órgãos e auxiliares personalizados, o art.84, IV, delimita, então, o sentido da competência regulamentar do Chefe do Poder Executivo ao estabelecer que o Presidenteda República compete ‘sancionar, promulgar e fazer publicar as leis bem como expedir decreto e regulamentos para sua fielexecução’”. (Curso de Direito Administrativo. 21ª. Ed, ver, atualizada até a Emenda Constitucional n 52, de 8.3.2006. SãoPaulo-SP: Melheiros Editores, 2006, p. 321)
  3. ^ Neste mesmo sentido, vide SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica: dignidade dapessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no direito constitucional brasileiro. Disponível em:<http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15197-15198-1-PB.pdf>. Acesso em: 02.maio.2021. Interessante tambémos ensinamentos de Paulo Bonavides, ao analisar o princípio da legalidade, o autor enfatiza “A legalidade, compreendidapois como a certeza que têm os governados de que a lei os protege ou de que nenhum mal portanto lhes poderá advir docomportamento dos governantes, será então sob esse aspecto, como queria Montesquieu, sinônimo de liberdade”(BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 20.ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2013. p.121)
  4. ^ BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 2. Ed. São Paulo, EDIPRO, 2014, p.111.
  5. ^ A futura Lei de Licitações: o desafio de sua interpretação autônoma. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/lei-de-licitacoes-publicistas-23022021. Acesso em 05.mai.2021.,

Fonte: Advocacia Geral da União

Documento de 14/06/2021



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