PARECER Nº 18.761/21 – Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul.

PROCESSO ADMINISTRATIVO ELETRÔNICO Nº 21/1300-0002518-9

 

PARECER Nº 18.761/21 

 

Assessoria Jurídica e Legislativa

EMENTA:

LEI FEDERAL Nº 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021. NOVA LEI DE LICITAÇÕES. EFICÁCIA INTERTEMPORAL.

  1. A nova Lei de Licitações tem aplicabilidade imediata, bastando, até a efetiva revogação das leis previstas no seu artigo 193, II, que a opção prevista no artigo 191, caput, seja indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação
  2. É possível a realização de procedimentos com base na Lei nº 14.133/2021 desde a sua vigência (1º de abril de 2021, conforme artigo 194), inclusive dispensas e inexigibilidades de licitação, devendo ser necessariamente atendidos os requisitos da nova Lei, vedada a sobreposição de
  3. Afigura-se recomendável a regulamentação da Lei nº 14.133/2021 para sua fiel execução, notadamente nos temas em que o legislador expressamente previu essa
  4. A regra geral decorrente do novo sistema é a edição pelo próprio Estado dos regulamentos aplicáveis às suas contratações, podendo servir-se subsidiariamente, todavia, das normativas infralegais editadas pela União.
  5. Nas situações de ausência de regulamento, será necessário avaliar, na casuística, se a regulamentação prevista em lei é imprescindível ou meramente auxiliar à efetivação das normas, sendo de rigor prestigiar a plena efetividade do novo diploma legal, sob pena de limitação desnecessária do artigo
  6. Até a efetiva operação do Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP, o Estado do Rio Grande do Sul poderá aplicar a Lei nº 14.133/2021, conforme previsão expressa do artigo 194, combinado com os artigos 193, II, e 191, desde que sejam providenciadas as adaptações ou providências nas ferramentas de divulgação existentes, de modo a garantir a transparência dos atos praticados até o efetivo lançamento do portal centralizado e a futura transferência dos dados, a partir de sua operação.

 

AUTOR: LUCIANO JUÁREZ RODRIGUES

 

 

PARECER

 

 

LEI FEDERAL Nº 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021. NOVA LEI DE LICITAÇÕES. EFICÁCIA INTERTEMPORAL.

  1. A nova Lei de Licitações tem aplicabilidade imediata, bastando, até a efetiva revogação das leis previstas no seu artigo 193, II, que a opção prevista no artigo 191, caput, seja indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação
  2. É possível a realização de procedimentos com base na Lei nº 14.133/2021 desde a sua vigência (1º de abril de 2021, conforme artigo 194), inclusive dispensas e inexigibilidades de licitação, devendo ser necessariamente atendidos os requisitos da nova Lei, vedada a sobreposição de
  3. Afigura-se recomendável a regulamentação da Lei nº 14.133/2021 para sua fiel execução, notadamente nos temas em que o legislador expressamente previu essa
  4. A regra geral decorrente do novo sistema é a edição pelo próprio Estado dos regulamentos aplicáveis às suas contratações, podendo servir-se subsidiariamente, todavia, das normativas infralegais editadas pela União.
  5. Nas situações de ausência de regulamento, será necessário avaliar, na casuística, se a regulamentação prevista em lei é imprescindível ou meramente auxiliar à efetivação das normas, sendo de rigor prestigiar a plena efetividade do novo diploma legal, sob pena de limitação desnecessária do artigo
  6. Até a efetiva operação do Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP, o Estado do Rio Grande do Sul poderá aplicar a Lei nº 14.133/2021, conforme previsão expressa do artigo 194, combinado com os artigos 193, II, e 191, desde que sejam providenciadas as adaptações ou providências nas ferramentas de divulgação existentes, de modo a garantir a transparência dos atos praticados até o efetivo lançamento do portal centralizado e a futura transferência dos dados, a partir de sua operação.

Trata-se de processo administrativo eletrônico contendo consulta, formulada no âmbito da Subsecretaria da Administração Central de Licitações – CELIC, versando a respeito da aplicabilidade no tempo da nova Lei de Licitações – Lei Federal nº 14.133, de 1º de abril de 2021.

Na fls. 02-04, a Assessoria da CELIC formulou quatro questionamentos a serem submetidos à apreciação da Procuradoria-Geral do Estado, aos quais foi agregado outro pela Coordenadora Setorial do Sistema de Advocacia de Estado da Procuradoria Setorial junto à Subsecretaria da Administração Central de Licitações – CELIC (fls. 05-08), formatando-se ao final a consulta nos seguintes termos:

  1. Há de se falar em aplicação imediata da Nova Lei? Ou de regras da Nova Lei? A exemplo dos procedimentos de dispensa de licitação e de seus novos limites de

 

  1. Em sendo de aplicação imediata, seria possível a realização de um procedimento com base na Nova Lei? A exemplo de uma dispensa de licitação feita a partir dos novos limites, cumpridas todas as regras da Nova Lei?

 

  • Em complementação ao quesito 2, é de se questionar quais seriam as adaptações necessárias, no modelo-padrão de edital integrante do Anexo H da Resolução PGE nº 177/2021, para viabilizar a realização de dispensa, seguindo o rito da Lei nº 14.133/21? 
  1. Ainda, em caso de entendimento quanto a possibilidade de existirem normas gerais de aplicação imediata, estas estariam condicionadas a regulamentação pelo Estado? 
  1. Em havendo entendimento de aplicações imediata de determinadas regras, a não existência do Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP, previsto no 174, interfere na aplicação da Nova Lei? A publicidade exigida no art. 94 como condição de eficácia da contratação poderia se dar de outra forma? A exemplo do site da Celic ou Sistema de Compras do Estado – COE. Ou então a exemplo do art. 176, § único da nova lei, quando trata da forma de publicidade dos atos a ser realizada pelos municípios que terão até o prazo de 6 anos para adequações em relação ao PNCP.

 

Os autos foram, então, encaminhados à Procuradoria-Geral do Estado pelo Secretário de Planejamento, Governança e Gestão (fl. 10).

É o relatório.

 

  1. Passando-se de imediato ao primeiro questionamento, necessário reproduzir a redação do artigo 191 da Lei nº 133/2021, que assim estabelece (original sem grifos):

Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada  a  aplicação  combinada  desta Lei  com  as  citadas  no referido inciso.

 

Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art.

193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.

O artigo 193 do novel diploma, por sua vez, dispõe da seguinte forma (original sem grifos):

Art. 193. Revogam-se:

  • – os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei;
  • – a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial desta

  

Assim, respondendo-se objetivamente ao primeiro questionamento, a nova Lei de Licitações tem aplicabilidade imediata, bastando que a opção entre a aplicação das leis mencionadas no inciso II do art. 193 ou o regime da Lei nº 14.133/2021 seja indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, conforme exigência constante na parte final do artigo 191, caput. 

Necessário sublinhar, ainda, que não é possível a aplicação combinada da Lei nº 14.133/2021 com a Lei nº 8.666/1993, a Lei nº 10.520/2002, e com os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011, devendo ser obedecidos, in totum, os ditames de cada legislação. O tema ganha relevância especialmente em caso de opção pela aplicação da nova Lei de Licitações, hipótese em que a Administração Pública deverá ter cuidado redobrado para não reproduzir, por conta de procedimentos arraigados na prática administrativa, atos ou procedimentos alheios ao novo diploma licitatório.

  1. Em decorrência da resposta à primeira indagação, responde-se afirmativamente à segunda, sendo possível realizar procedimentos com base na Lei nº 133/2021 desde a sua vigência (1º de abril de 2021, conforme artigo 194), inclusive dispensas e inexigibilidades de licitação, devendo ser necessariamente atendidos os vetores autorizativos da nova Lei. No tocante à contratação direta, cumpre referir que, diferentemente da singeleza dos requisitos contidos no artigo 26, parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993, a Lei nº 14.133/2021 apresenta regramento minucioso, conforme dispõe o seu artigo 72, verbis:

Art. 72. O processo de contratação direta, que compreende os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, deverá ser instruído com os seguintes documentos:

  • – documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto executivo;
  • – estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabelecida no 23 desta Lei;
  • – parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem o atendimento dos requisitos exigidos;
  • – demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com o compromisso a ser assumido;
  • – comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária;
  • – razão da escolha do contratado; VII – justificativa de preço;

VIII – autorização da autoridade competente.

Parágrafo único. O ato que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente do contrato deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial.

Ademais, em caso de impossibilidade de estimativa de valor, em cumprimento ao inciso II do artigo 72 e na forma dos §§ 1º a 3º do artigo 23, o § 4º deste artigo determina a necessidade de comprovação, pelo contratado, da conformidade dos preços com os praticados em contratações semelhantes, “por meio da apresentação de notas fiscais emitidas para outros contratantes no período de até 1 (um) ano anterior à data da contratação pela Administração, ou por outro meio idôneo”. 

Quanto à complementação ao quesito 2, realizada pela Coordenadora Setorial do Sistema de Advocacia de Estado junto à CELIC, serão necessárias as seguintes adaptações no modelo-padrão de edital constante no Anexo H da Resolução nº 177 da Procuradoria-Geral do Estado, observados os trâmites previstos no artigo 2º da aludida normativa: nas condições gerais, referência à Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021; elementos necessários a todos os contratos (artigo 92); garantias (artigo 96 e seguintes); alocação de riscos (artigos 22 e 103); duração (artigos 105-114); execução (artigos 115-123); alterações contratuais (artigo 124 e seguintes); extinção dos contratos (artigo 137 e seguintes); recebimento do objeto (artigo 140); pagamentos (artigos 141-146); meios alternativos de solução de controvérsias (artigos 151-154); infrações e sanções administrativas (artigos 155-163); e, impugnações, pedidos de esclarecimento e recursos (artigos 164-168).

Recomendável, ainda, que o edital reflita as necessidades constantes no plano de contratações anual (artigo 12, inciso VII), bem como, sempre que possível, o planejamento previsto no artigo 18.

  1. Relativamente ao terceiro questionamento, diversos dispositivos remetem os temas tratados a regulamentação, sendo de se destacar a diferenciação realizada em alguns casos, em que é feita a referência específica a “regulamento emitido pelo Poder Executivo Federal” (por exemplo, artigo 70, parágrafo único), a indicar que, nos demais casos, trata-se de regramento específico de cada ente Federado.

Além disso, nas situações em que a regulamentação diz respeito ao Portal Nacional de Contratações Públicas (artigo 174 e seguintes), é intuitivo que a referência seja a regulamentos do Poder Executivo Federal, responsável pela criação do referido portal.

Feitas essas ressalvas, também merece registro a previsão do artigo 187, que autoriza os estados a aplicarem os regulamentos editados pela União para execução da Lei nº 14.133/2021, o que poderá ser útil em situações de ausência de regulamentação local específica.

Assim, podem ser enumeradas as seguintes situações em que a Lei nº 14.133/2021 prevê a necessidade de regulamentação:

  • regras de atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de contratos, devendo ser prevista a possibilidade que que contem com o apoio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno para o desempenho das funções essenciais à execução do disposto na nova Lei de Licitações (artigo 8º, 3º);
  • catálogo eletrônico de padronização (artigo 19, 1º);
  • definição de artigos de luxo (artigo 20, § 1º e 2º);
  • valor estimado para a aquisição de bens e contratação de serviços em geral (artigo 23, 1º);
  • processo licitatório para a contratação de obras e serviços de engenharia (artigo 23, 2º);
  • programa de integridade (artigo 25, 4º);
  • percentuais mínimos da mão de obra responsável pela execução do objeto da contratação (artigo 25, 9º);
  • margem de preferência para bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis (artigo 26);
  • procedimentos operacionais para o leilão (artigo 31);
  • custos indiretos (artigo 34, 1º);
  • desempenho pretérito na execução de contratos com a Administração a ser considerado na pontuação técnica (artigo 36,
  • 3º);
  • contratações de soluções baseadas em software de uso disseminado (artigo 43, 2º);
  • critério de desempate de propostas quanto ao desenvolvimento de ações de equidade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho (artigo 60, III);
  • negociação de condições mais vantajosas com o primeiro colocado (artigo 61, 2º);
  • habilitação eletrônica (artigo 65, 2º);
  • provas alternativas de conhecimento técnico e experiência prática na execução de serviço semelhante (artigo 67, 3º);
  • situações de inadmissão de atestados de responsabilidade técnica (artigo 67, 12);
  • dispensa para a contratação que tenha por objeto produtos de pesquisa e desenvolvimento, quando aplicada a obras e serviços de engenharia (artigo 75, 5º);
  • critérios para os procedimentos auxiliares (artigo 78, 1º);
  • procedimentos de credenciamento (artigo 79, parágrafo único);
  • manifestação de interesse para a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública (artigo 81);
  • seleção, hipóteses de inexigibilidade e de dispensa de licitação e procedimento público de intenção no sistema de registros de preços (artigo 82, 5º, II, e § 6º, e artigo 86);
  • critérios, condições e limites para realização de licitação restrita a fornecedores cadastrados (artigo 87, 3º);
  • cadastro, alteração, suspensão e cancelamento do registro de atesto de cumprimento de obrigações pelo contratado (artigo 88, §§ 4º e 5º);
  • regras da forma eletrônica de celebração dos contratos (artigo 91, 3º);
  • modelo de gestão do contrato (artigo 91, inciso XVIII);
  • hipóteses de vedação, restrições ou condições para a subcontratação (artigo 122, 2º);
  • procedimentos e critérios sobre as causas de extinção dos contratos (artigo 137, 1º);
  • prazos e métodos para recebimentos provisório e definitivo do objeto do contrato (artigo 140, 3º);
  • fixação do pagamento com base em percentual sobre o valor economizado em determinada despesa, quando o objeto do contrato corresponder à implementação de processo de racionalização (artigo 144, 1º);
  • forma de cômputo e as consequências da soma de sanções aplicadas a uma mesma empresa por contratos distintos, nos casos das sanções dos incisos I, II, III e IV do caput do artigo 156 (artigo 161, parágrafo único); e,
  • realização de contratações por meio de sistema eletrônico fornecido por pessoa jurídica de direito privado (artigo 175, 1º).

Dessa forma, respondendo ao questionamento formulado, mostra-se recomendável a regulamentação da Lei nº 14.133/2021 para sua fiel execução, notadamente nos temas em que o legislador expressamente previu essa necessidade. Na forma do já citado artigo 187, a regra geral é de que o próprio Estado editará os regulamentos aplicáveis às suas contratações, podendo servir-se subsidiariamente, todavia, das normativas infralegais editadas pela União.

Nas situações de ausência de regulamento, será necessário avaliar, na casuística, se a regulamentação prevista em lei é imprescindível ou meramente auxiliar à efetivação das normas. Por exemplo, no caso dos procedimentos auxiliares (artigo 78, § 1º), a edição de regulamento não parece necessária, ao menos de modo amplo, mas apenas complementar para a criação dos respectivos critérios, uma vez que ditos procedimentos (credenciamento, pré-qualificação, procedimento de manifestação de interesse, sistema de registro de preços e registro cadastral) já contam com regramentos objetivos na própria Lei nº 14.133/2021. Por outro lado, a previsão de realização de contratações por sistema eletrônico fornecido por pessoa jurídica de direito privado (artigo 175, § 1º), que não possui maior especificação na nova Lei, indica que há demanda de regulamento para a efetivação da norma.

Em suma, deve-se compreender que, nos casos em que há previsão de regulamentação e esta for ausente, os atos correspondentes somente estarão obstaculizados nas situações em que não for possível aplicar, em concreto, os ditames da Lei nº 14.133/2021 e, tampouco, as normas editadas pela União, sendo de rigor prestigiar a máxima efetividade do novo diploma legal, sob pena de limitação desnecessária do seu artigo 194.

Em relação à análise da legislação estadual sobre a matéria, convém estabelecer dois pontos: 1) toda a legislação vigente, editada sob a égide das leis revogadas pelo artigo 193, II, da Lei nº 14.133/2021, mantém a sua utilidade em razão do período de transição de dois anos da publicação da nova lei, conforme tratado na resposta ao primeiro questionamento; 2) em segundo lugar, as normas estaduais vigentes que tratam de licitações e contratos, sempre que possível, poderão ser aproveitadas no regime da nova Lei de Licitações, naquilo que não ofendam os seus princípios e as suas finalidades, sob pena de prejuízo ainda maior ao regular funcionamento da Administração Pública.

O segundo ponto se justifica pela série de questões procedimentais que, fruto da prática, consolidaram-se nos regulamentos estaduais, mostrando-se útil a continuidade da sua aplicação, até que sobrevenha regramento específico, para não gerar prejuízos ao regular funcionamento da Administração Pública, observada, por certo, a compatibilidade da regra com a novel legislação. Quanto à situação da Lei Estadual nº 13.191, de 30 de junho de 2009, que trata do pregão eletrônico no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, as disposições que não entrem em confronto com o novo sistema e que não tratem de dispositivos das leis revogadas (em especial da Lei nº 8.666/1993) de forma incompatível ou inconciliável com as regras da nova Lei poderão ser aplicadas nos procedimentos do novo regime.

De qualquer forma, salienta-se a necessidade de especial atenção ao fato de que o pregão não possui mais autonomia legislativa, tendo sido incorporado pela Lei nº 14.133/2021 como mais uma modalidade de licitação (artigo 6º, inciso XLI), devendo, no trato desse instituto, inclusive na forma eletrônica, ser respeitadas as regras gerais do novo diploma. Além disso, matérias como a habilitação dos licitantes (artigo 15 da Lei Estadual nº 13.191/2009), julgamento das propostas (artigo 25, caput, da Lei Estadual nº 13.191/2009), registro de preços (artigo 25, §§ 7º e 8º, da Lei Estadual nº 13.191/2009), recurso do resultado (artigo 26 da Lei Estadual nº 13.191/2009), entre outras, possuem regras correspondentes na Lei Federal nº 14.133/2021, devendo os agentes públicos, em especial os gestores, atuar com o máximo cuidado, até que sobrevenha regramento local confeccionado especialmente para o novo regime.

  1. Por fim, passa-se ao último questionamento, o qual segue reproduzido de modo a tornar mais claro o exame:
  1. Em havendo entendimento de aplicações imediata de determinadas regras, a não existência do Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP, previsto no 174, interfere na aplicação da Nova Lei? A publicidade exigida no art. 94 como condição de eficácia da contratação poderia se dar de outra forma? A exemplo do site da Celic ou Sistema de Compras do Estado – COE. Ou então a exemplo do art. 176, § único da nova lei, quando trata da forma de publicidade dos atos a ser realizada pelos municípios que terão até o prazo de 6 anos para adequações em relação ao PNCP.

 

De início, sobreleva mencionar que, de acordo com os incisos I e II do artigo 174 da Lei nº 14.133/2021, o Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP é obrigatório quanto à divulgação centralizada dos atos realizados com base na nova lei e facultativo quanto à realização de contratações pelos órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todos os entes federativos.

Dessa forma, a análise em voga diz respeito exclusivamente à divulgação centralizada, que, embora seja tratada como obrigatória, não será passível de concretização entre a vigência da Lei nº 14.133/2021 e o efetivo cumprimento, a cargo da União, do artigo 174.

Como salientado pela Coordenadora Setorial junto à CELIC, neste momento inicial, diversos entendimentos vêm sendo expostos pelos setores especializados na área de licitações e contratos, ora pela impossibilidade de aplicação das regras da nova lei até que o portal seja efetivamente criado, ora pela possibilidade, desde que seja providenciada a publicação através de outro instrumento oficial.

A questão ganha relevância ainda maior em razão de diversas disposições específicas, ao longo da Lei nº 14.133/2021, prevendo a necessidade de publicação no PNCP, de que são exemplos o artigo 75, § 4º, o artigo 87 e o artigo 94.

Feitas essas considerações, convém consignar que, embora existam ponderáveis razões para um ou outro entendimento sobre o alcance da obrigatoriedade prevista no inciso I do artigo 174 (e em outros dispositivos na nova lei, como já referido), entende-se mais adequado interpretar que, até a efetiva operação do Portal Nacional de Contratações Públicas, o Estado do Rio Grande do Sul poderá aplicar a Lei nº 14.133/2021, conforme previsão expressa dos artigos 194, 193, II, e 191.

De fato, se “até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso” (artigo 191, caput), regra ampla incidente sobre todos os dispositivos da Lei nº 14.133/2021, não se vislumbra correto, sob o ponto de vista da continuidade dos serviços públicos e da finalidade sistematizadora no novo estatuto licitatório, negar eficácia geral ao diploma em razão de previsões pontuais sobre a necessidade de publicação no portal, mormente porque os princípios da publicidade e da transparência, vetores dogmáticos da regra do artigo 174, podem ser efetivados por outros meios. A regra matriz de eficácia da nova lei de licitações determina que haverá, por dois anos, a opção da administração pública entre aplicar as leis revogadas ou o novo regramento, não parecendo a melhor solução reduzir esse verdadeiro período de adaptação, ainda que com base em efetiva incongruência do sistema.

Outra razão para a aplicação da nova Lei de Licitações a partir de 1º de abril de 2021 reside na circunstância de que, se assim não fosse, a União teria exaurido a competência constitucional prevista no artigo 22, XXVII, da Constituição Federal, criando, ao mesmo tempo, uma ferramenta obrigatória para a transparência dos atos praticados com base no novo sistema, mas que frustraria totalmente a operacionalidade inerente à eficácia normativa àqueles que não detêm nenhuma influência sobre a criação do PNCP, ou seja, os demais entes federados.

No cotejo entre a plena eficácia de toda a lei de licitações (que, como dito, pode ser aplicada desde a sua publicação, inclusive de forma optativa, conforme artigo 191) e da obrigatoriedade de publicidade através do PNCP, a hermenêutica baseada na máxima efetividade das normas jurídicas para o atingimento de suas finalidades indica o primeiro caminho como o correto a ser trilhado, sem prejuízo das necessárias adaptações ou providências para garantir: a) a transparência dos atos praticados até o efetivo lançamento do PNCP; b) a transferência de todos os dados ao PNCP, a partir de sua operação.

Nesse passo, durante a transição entre a eficácia da nova Lei de Licitações e a efetiva criação do PNCP, é possível a utilização das ferramentas existentes no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul para a divulgação de todos os atos praticados com supedâneo na Lei nº 14.133/2021, em especial os arrolados no § 2º do artigo 174.

Quanto à possibilidade de utilização, por analogia, da autorização do artigo 176, parágrafo único, incidente somente nos casos de municípios com até vinte mil habitantes, entende-se não atender, sob a perspectiva de um Estado-Federado, aos objetivos de transparência específicos para esse plano, calcados em uma maior capacidade de estruturação. Assim, o atendimento, pelo Estado do Rio Grande do Sul, dos objetivos de publicidade e transparência presentes na previsão do artigo 174 deverá ocorrer por meio similar, disponibilizando-se em sítio eletrônico as informações referidas no § 2º do citado dispositivo legal, ou, no mínimo, criando-se e dando ampla divulgação a um canal de comunicação entre a administração pública e os interessados que permita o ágil acesso às referidas informações, excluídas as funcionalidade relativas à realização de contratações (inciso II do artigo 174), que são facultativas.

Ademais, não havendo a obrigatoriedade de aplicação da nova Lei pelo período de dois anos, também merece reconhecimento a opção, inclusive na situação de impossibilidade técnica de publicidade nos moldes necessários, pela não utilização das novas regras enquanto não advier o Portal Nacional, situação em que se recomenda seja editada uma orientação geral a todos os órgãos e entidades estaduais que tenham competência para a realização de licitações e contratos para que não realizem nenhum ato previsto no novo Diploma, sob pena de nulidade e lesão ao princípio da publicidade.

Registre-se, por último, que a efetiva criação do Portal Nacional de Contratações Públicas está em desenvolvimento, podendo ser acompanhada através dos                 relatórios         de                    projeto                  constantes                         no                           site https://gnova.enap.gov.br/pt/projetos/experimentacao/design-thinking/projeto-portal-nacio nal-de-contratacoes-publicas.

  1. Ante o exposto, delineiam-se as seguintes conclusões:
  1. A nova Lei de Licitações tem aplicabilidade imediata, bastando que a opção entre a aplicação das leis previstas no inciso II do art. 193 ou do regime instituído pela Lei nº 14.133/2021 seja indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, conforme exigência constante na parte final do artigo 191, caput;
  2. Afigura-se possível realizar procedimentos com base na Lei nº 133/2021, desde a sua vigência (1º de abril de 2021, conforme artigo 194), inclusive dispensas e inexigibilidades de licitação, devendo ser necessariamente atendidos os requisitos da nova Lei, sem possibilidade de sobreposição de regimes;
  3. Mostra-se recomendável a regulamentação da Lei nº 133/2021 para sua fiel execução, notadamente nos temas em que o legislador expressamente previu essa necessidade, sendo que a regra geral é a de que o próprio Estado editará os regulamentos aplicáveis às suas contratações, podendo servir-se subsidiariamente, todavia, das normativas infralegais editadas pela União.
  4. Nas situações de ausência de regulamento, será necessário avaliar, na casuística, se a regulamentação prevista em lei é imprescindível ou meramente auxiliar à efetivação das normas, sendo de rigor prestigiar a plena efetividade do novo diploma legal, sob pena de limitação desnecessária do artigo
  5. Até a efetiva operação do Portal Nacional de Contratações Públicas, o Estado do Rio Grande do Sul poderá aplicar a Lei nº 14.133/2021, conforme previsão expressa dos artigos 194, 193, II, e 191, desde que sejam providenciadas as adaptações ou providências que garantam a transparência dos atos praticados até o efetivo lançamento do portal nacional e, a partir de sua operação, a transferência de todos os dados necessários ao cumprimento do artigo

 

Por fim, cumpre registrar que a presente manifestação possui natureza estritamente jurídica, não tendo o condão de chancelar opções técnicas adotadas pela Administração, nem de emitir juízo de conveniência e oportunidade.

É o parecer.

 

 

Porto Alegre, 13 de maio de 2021.

 

 

Luciano Juárez Rodrigues, Procurador do Estado.

 

 

Processo Administrativo Eletrônico nº 21/1300-0002518-9

 



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