ARTIGO: Participações Governamentais na Indústria do Petróleo e Gás Natural: a hora da verdade para os municípios – Luiz Rodolfo Cabral

Durante o correr desse mês de janeiro de 2022, foi divulgada, pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a consolidação das participações governamentais dessa indústria, aos entes ao longo do recém findo 2021.

No informativo percebe-se que as empresas produtoras de petróleo e gás natural recolheram a astronômica quantia de R$ 77.822.280.675,90 (setenta e sete bilhões e oitocentos e vinte e dois milhões, duzentos e oitenta mil e seiscentos e setenta e cinco reais e noventa centavos), em valores aproximados, como todos os demais aqui referidos.

A título de royalties foram R$ 12.813.862.068,72 (doze bilhões, oitocentos e treze milhões, oitocentos e sessenta e dois mil e sessenta e oito reais e setenta e dois centavos) destinados aos municípios, já os estados partilharam R$ 10.450.762.921,41 (dez bilhões, quatrocentos e cinquenta milhões, setecentos e sessenta e dois mil e novecentos e vinte e um reais e quarenta e um centavos).

 

Vale recordar que os royalties são calculados com base em percentuais incidentes sobre o valor da produção de cada campo de hidrocarbonetos, que variam de um mínimo de cinco a um máximo de dez por cento, no regime de concessão (o produto da exploração pertence ao concessionário), elevando-se a até quinze por cento no regime de partilha (o produto da exploração pertence ao Estado, que realiza a venda no mercado), ainda incipiente proporcionalmente ao universo produtor nacional.

 

No que tange à participação especial, a arrecadação dos Estados ascendeu a R$ 14.801.504.759,43 (quatorze bilhões, oitocentos e um milhões, quinhentos e quatro mil e setecentos e cinquenta e nove reais e quarenta e três centavos), enquanto os Municípios receberam R$ 3.533.907.669,09 (três bilhões, quinhentos e trinta e três milhões, novecentos e sete mil e seiscentos e sessenta e nove reais e nove centavos).

 

A participação especial é paga em função do acréscimo de arrecadação dos concessionários, em relação às projeções iniciais de produção dos campos, e funciona como um mecanismo permanente de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão.

 

Em outras palavras, royalties incidem sobre o valor da produção do campo e são pagos mensalmente pelas concessionárias, enquanto a participação especial é devida apenas em áreas com grande volume de produção ou grande rentabilidade e é distribuída trimestralmente aos entes federados envolvidos.

Somando-se ambas as hipóteses de participações governamentais, a União Federal recolheu R$ 29.661.654.984,63 (vinte e nove bilhões, seiscentos e sessenta e um milhões, seiscentos e cinquenta e quatro mil e novecentos e oitenta e quatro reais e sessenta e três centavos) aos entes federados, em 2021.

É uma quantia expressiva.

Para se ter uma ideia, em 2019, último ano antes da pandemia, tivemos uma arrecadação ao mesmo título da ordem de R$ 56.000.000.000,00 (cinquenta e seis bilhões de reais).

Levando-se em conta que o valor das participações governamentais deriva dos fatores volume de produção de petróleo e gás, assim como seus preços internacionais, que não tiveram sensíveis variações que se mantivessem firmes no período, pode-se atribuir o crescimento da receita ao panorama cambial brasileiro e à elevação do preço do barril de petróleo no mercado internacional.

 

1 – A SITUAÇÃO DAS CIDADES SEDE DE ESTRUTURAS DE TRANSPORTE DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL

Os critérios de distribuição de participações governamentais, aqui particularmente tratados em relação aos municípios, ainda apresentam distorções que merecem reparo.

Para além do norte já traçado pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão liminar nos autos da ADI nº 4.917/DF, da lavra da eminente Ministra Carmem Lúcia, que, ao analisar aspectos da constitucionalidade da Lei nº 12.734/2012, quando indicou a necessidade de certo grau de vínculo à atividade de exploração e produção de petróleo e gás natural, para que um ente federado se habilite ao recebimento das participações governamentais respectivas, existem em tramitação no Congresso Nacional diversas proposições destinadas a melhorar o ajuste da distribuição dessa riqueza.

Note-se que uma categoria particular de municípios ainda sofre com a adoção de critérios incongruentes com a realidade da exploração, produção e transporte de petróleo e gás natural: são os municípios detentores de instalações que servem ao escoamento dessa produção.

Podemos utilizar a estrutura de transporte dutoviária do Estado de São Paulo para visualizar a referida distorção.

Tome-se por base o trecho do litoral norte, onde se concentra o desembarque de petróleo no Porto de São Sebastião, e que abriga também o campo de produção de gás natural de Mexilhão,  percebe-se que o óleo ali desembarcado, destinado às refinarias de São José dos Campos e Paulínia, assim como o gás, processado em Caraguatatuba e posteriormente injetado na rede de gasodutos que se integra ao Gascar, para conexão com o hub de gás natural na mesma cidade de Paulínia.

 

É possível imaginar que as cidades de destino desses produtos, e todas as que se encontram no percurso dos dutos, possam sofrer menor impacto do que aquelas que recebem originariamente os hidrocarbonetos? A resposta é simples, pois não há diferença, no entanto, cria-se uma injustiça distributiva de expressivos valores de receitas para os municípios.

 

Cremos que quem conhece as refinarias presentes em São José dos Campos e Paulínia, assim como os equipamentos que atendem a gasodutos em Taubaté e Arapeí, por exemplo, pode perceber a magnitude do impacto, em todos os níveis, que a presença de tais estruturas traz para as cidades.

Mesmo assim, somadas todas as cidades brasileiras que abrigam instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, o montante por elas arrecadado a título de royalties pouco se aproxima de dez por cento do que se destina às demais.

Acrescente-se que essa distribuição ainda sofre o reflexo da incidência de um número superior a 200 (duzentas) ações que estabelecem distintas condições de atribuição dos valores devidos a cada lugar.

A adoção de proporcionalidade com os volumes de hidrocarbonetos, com a importância estratégica de tais estruturas, e mesmo o aperfeiçoamento dos critérios de repartição das rendas governamentais dos campos ora em regime de partilha, ainda em crescimento, podem ser medidas viáveis para que se cumpra uma maior justiça federativa no pagamento de tais verbas aos municípios que se comprometem e cedem seus territórios para a infraestrutura de transporte de óleo bruto e gás natural pelo país.

 

2  – OPORTUNIDADE DECISIVA PARA O MELHOR USO DAS RENDAS DA INDÚSTRIA PETROLÍFERA

O conflito latente entre a Ucrânia e a Rússia, a perspectiva de crescimento acentuado da demanda por petróleo no planeta, com a retomada da economia na esteira do fim da pandemia, que já impactam o preço do barril para superar a casa dos cem dólares, mas, por outro lado, a crescente substituição da matriz energética mundial, no contexto do aquecimento global e o surgimento de fontes de energia alternativa, evidenciam que 2022 apresenta um cenário único para que se observe a renda governamental advinda da exploração de hidrocarbonetos com olhos para o futuro.

Não se descura que hoje tais receitas financiam atividades que, não sendo de natureza específica de investimento, possuem um aspecto social que deve ser levado em conta, mesmo quando a destinação de royalties e participação especial se destine ao pagamento, por exemplo, de despesas que, em última análise, são de pessoal, posto que financia a contratação de serviços terceirizados.

É de todo não recomendável, no atual quadro social, que se descontinue esse financiamento, o que causaria grave desemprego.

Mas o resultado excepcional de 2021, que se indica repetir e superar em 2022, quiçá mais adiante, permite o estabelecimento de uma nova conformação para a destinação da receita de participações governamentais, que destine o acréscimo proporcional de arrecadação para os primórdios da instituição do modelo, quando as rendas de petróleo serviam para o pagamento de infraestrutura, e também para adaptar, na nova realidade mundial, a capacidade do governo em investir em áreas da economia que contemplem a inserção do Brasil no novo cenário energético mundial.

Então, ao par de se definir novos critérios de distribuição de tais receitas, também tem o Congresso Nacional, ainda que em ano eleitoral, a oportunidade de estabelecer, ou pelo menos iniciar, o debate para que a destinação dos recursos em comento seja mais atenta ao que as gerações em crescimento e vindouras necessitam para que estejam mais equipadas a fim de fazer face aos desafios do futuro.

Enquanto não se estabelece novos e justos critérios de distribuição de relevante receitas, cabem aos entes afetados pela injustiça distributiva, buscar o Poder Judiciário para a reparação dos prejuízos.

 

Luiz Rodolfo Cabral, advogado, sócio do escritório Cabral, Cunha e Toledo Advogados,  é consultor jurídico da Associação dos Municípios Sede de Pontos de Entrega e Recebimento de Gás Natural – AMPEGÁS.



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